quinta-feira, dezembro 18, 2014
CARTILHA - "O Ministério Público no enfrentamento à Violência Policial" (em PDF)
Como fruto da pressão autônoma da Rede Nacional de Familiares de Vítimas da Violência Policial, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) acaba de publicar uma cartilha de alcance nacional com orientações imediatas a todos MPs estaduais sobre o "enfrentamento às mortes por decorrência de violência policial".
Com exclusividade, compartilhamos com todos vocês a cartilha na íntegra, através do seguinte link de Flipbook: http://www.youblisher.com/p/1045462-O-Ministerio-Publico-no-enfrentamento-a-Violencia-Policial/
Dentre as orientações determinadas pela Cartilha, para serem colocadas em prática desde já por todos Ministérios Públicos, destacamos os 7 principais objetivos definidos pelo CNMP:
I. Fortalecer o controle externo da atividade policial através da realização de visitas semestrais às repartições policiais e aos órgãos de perícia.
II. Recomendar às respectivas Secretarias de Segurança Pública no sentido de inserir um campo específico nos boletins de ocorrência para registro de incidência de mortes decorrentes de atuação policial, assegurando que o delegado de polícia instaure, imediatamente, inquérito específico para apurar esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em flagrante, requisitando o Ministério Público a sua instauração quando a autoridade policial não tiver assim procedido.
III. Assegurar que o Ministério Público adote medidas para que seja comunicado em até 24 (vinte e quatro) horas, pela autoridade policial quando do emprego da força policial resultar ofensa à vida, para permitir o pronto acompanhamento pelo órgão ministerial responsável.
IV. Assegurar que sejam adotadas medidas no sentido de que o delegado de polícia compareça pessoalmente ao local dos fatos, tão logo seja comunicado da ocorrência de uma morte por intervenção policial, providenciando o isolamento do local, a realização de perícia e a respectiva necrópsia, as quais devem ter a devida celeridade.
V. Assegurar que o Ministério Público recomende à Corregedoria da Polícia Civil, para que as mortes decorrentes de intervenção por policiais civis sejam por ela investigadas.
VI. Assegurar que, no caso de morte decorrente de intervenção policial, durante o exame necroscópico, seja obrigatória a realização de exame interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados, assim como que o Inquérito Policial contenha informações sobre os registros de comunicação e movimentação das viaturas envolvidas na ocorrência.
VII. Criação e disponibilização de um banco de dados pelo CNMP acerca das mortes decorrentes de intervenção policial, por Estado da Federação, tendo como dados mínimos obrigatórios: nome da vítima, data e horário do fato, município, nome dos policiais envolvidos, local de trabalho dos policiais envolvidos, número do respectivo inquérito policial, se foi feita a comunicação imediata ao Ministério Público, se o delegado de polícia compareceu pessoalmente ao local do fato, se foi realizada a perícia no local, se foi realizada a necrópsia, situação do Inquérito Policial (em diligências, arquivado ou denunciado), com dados a partir de 2015, a ser alimentado pelos respectivos Ministérios Públicos.
segunda-feira, julho 07, 2014
IMPORTANTÍSSIMO: NESTA QUINTA-FEIRA (10/07) - CRIMES DE MAIO NO BANCO DOS RÉUS!
"Na próxima quinta-feira, 10 de julho, a partir das 9h30 da manhã, acontecerá um fato histórico, que é o julgamento em Plenário (Júri de Santana, Av. Engenheiro Caetano Alvares, 594, SP,SP, Plenário "3" ) de um Policial Militar acusado de participar do homicídio de três jovens em Maio de 2006.
Como é de conhecimento público, em maio de 2006 muitos jovens, cerca de 500, em poucos dias, foram assassinados por grupos de extermínio com forte suspeita de participação de Policiais Militares. Dentre vários documentos, há um relatório importante da Harvard University sobre esse triste período (http://hrp.law.harvard.edu/wp-content/uploads/2011/05/full-with-cover.pdf ), que revela que quase todas as mortes não foram esclarecidas, nem geraram processo criminal. Ou seja, o Júri do dia 10 de julho próximo é exceção à regra da indiferença estatal.
A Defensoria Pública acompanha o caso e atuará como assistente de acusação a pedido da mãe de uma das três vítimas.
O acesso ao julgamento é franqueado ao público. É de crucial importância a divulgação desse acontecimento e a presença cidadã dos movimentos sociais.
Divulguem e compareçam!
Abraços,
Defensora Daniela Skromov
Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo"
Mais informações aqui: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=51325&idPagina=3260
Um Policial Militar acusado de participar de três homicídios dos “Crimes de Maio” de 2006 será julgado pelo Tribunal do Júri nesta quinta, 10 de julho.
O julgamento é aberto ao público e começa às 9h30, no Plenário 3 do Tribunal do Júri, no Fórum de Santana, que fica na Av. Engenheiro Caetano Alvares, nº 594, em São Paulo/SP.
A Defensoria Pública acompanha o caso e participa como assistente de acusação a pedido da mãe de uma das vítimas.
O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria nos pediu para convidar os movimentos sociais que puderem apoiar esse momento.
Gostaríamos de fazer um convite muito especial às Mães de Maio e a todxs companheirxs que puderem prestar solidariedade às/aos familiares e guerreirxs!
#doLUTOaLUTA
Um grande abraço,
Equipe da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
#MãesDeMaio
#CrimesDeMaio
#ContraOGenocídio
#MemóriaVerdadeJustiça
segunda-feira, novembro 04, 2013
MÃES / MOTHERS - efeitos psicológicos da violência policial nas famílias de vítimas
MÃES / MOTHERS - efeitos psicológicos da violência policial nas famílias de vítimas
Realização: Clara Ianni
Edição: Clara Ianni e Nina Senra
Mixagem: Caio Gonçalves
Cor: Marcos Yoshi
Apoio: DAAD - Deutscher Akademischer Austauschdienst
Agradecimentos Especiais: Mães de Maio e Margens Clínicas
SANTOS / BERLIM - Outubro de 2013
*Leiam mais sobre o assunto aqui: POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE REPARAÇÃO PSICOLÓGICA PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DO ESTADO - http://maesdemaio.blogspot.com.br/2013/10/por-que-e-necessaria-urgentemente-uma.html
#ContraOGenocídio
#ReparaçãoPsicológica
#PolíticaNacionalDeReparação
#MemóriaVerdadeJustiçaReparação
domingo, novembro 03, 2013
AGENDA PARA A POLÍTICA PRISIONAL: POR UM PROGRAMA NACIONAL DE DESENCARCERAMENTO E DE ABERTURA DO CÁRCERE PARA A SOCIEDADE
Como se sabe, o Brasil ostenta o nada honroso
quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo
(atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia), com mais de 550 mil pessoas
presas. Entre 1992 e 2012, a população
carcerária brasileira saltou de 114 mil para aproximadamente 550 mil pessoas
presas: recrudescimento de 380% (DEPEN). No mesmo intervalo de tempo, a
população brasileira cresceu 30% (IBGE).
Conjuga-se gravemente com esse processo de encarceramento em massa a degradação do sistema prisional,
consubstanciada na violação dos direitos mais básicos da população carcerária: apenas
10% têm acesso a alguma forma de educação; somente 20% exercem atividade
remunerada; o serviço de saúde é manifestamente frágil, com quadro técnico exíguo
e diversos casos de graves doenças e até de óbitos oriundos de negligência; as
unidades são superlotadas: o Brasil ostenta a maior taxa de ocupação prisional
(172%)[1]
entre os países considerados “emergentes”; torturas e maus-tratos campeiam, com
a conivência dos órgãos responsáveis por fiscalizar as unidades prisionais.
Ao caráter massivo do encarceramento no
Brasil soma-se o caráter seletivo do sistema penal, expresso na discriminação
de bens protegidos e de pessoas alvejadas: de um lado, apesar das centenas de
tipos penais constantes da legislação,
cerca de80% da população prisional está presa por crimes contra o patrimônio (e
congêneres) ou pequeno tráfico de drogas; de outro, apesar da
multiplicidade étnica e social da população brasileira, as pessoas submetidas ao sistema prisional têm quase sempre a mesma cor
e provêm da mesma classe sociale territórios daquelas que, historicamente,
estão às margens do processo civilizatório brasileiro: são pessoas jovens,
pobres, periféricas e pretas.
A seletividade penal tem ainda outro viés,
mais grave e violento: a criminalização
das mulheres. Apesar de o número de mulheres presas corresponder a cerca de
8% do total da população carcerária, sabe-se que, nos últimos dez anos, houve aumento de cerca de 260% de mulheres presas
contra aumento de aproximadamente 105% de homens presos.
O caráter patriarcal do sistema penal revela
traços extremamente cruéis e sintomáticos do machismo elevado à máxima potência.
O recrudescimento da
população prisional feminina deriva da assunção por centenas de milhares de
mulheres pobres (quase sempre negras) de trabalhos precários e perigosos na
cadeia de comercialização de psicotrópicos, tornando-as principal alvo da
obtusa guerra às drogas, eis que mais expostas e vulneráveis.
Bom lembrar que a maioria esmagadora das mulheres presas por tráfico de
drogas é composta por pequenas comerciantes ou mesmo por meras usuárias
(fenômeno também observado entre os homens) e que não são raros os casos de
separação violenta e ilegal dessas mulheres de seus filhos[2]. Também não são raros os
casos de mulheres que, presas durante a gravidez, ou perdem a criança por falta
de cuidados médicos, ou dão à luz algemadas!
É de se mencionar, também, a penalização de
mulheres familiares de pessoas presas. Nas filas
de visita, a revista vexatória
perdura, vergonhosamente, como prática estatal para penalizar e humilhar
familiares, geralmente mulheres, que viajam longas distâncias para visitar o
ente querido preso, quando não são dissuadidas pelos próprios presos de
enfrentar essa prática abjeta.
O contato com a realidade do
sistema penal, como se percebe, traz a clareza de que há evidente processo de criminalização patriarcal da
maternidade e da ocupação do espaço público por mulheres.
A todas essas mazelas, adiciona-se ainda mais uma: a violação
sistemática do direito fundamental à presunção de inocência. Ninguém ignora
que, juridicamente, somente é culpada aquela pessoa que, acusada pelo
cometimento de determinado crime, teve direito a um processo justo e a todas as
vias recursais até que a condenação se torne definitiva. Na prática, todavia,
prevalece a punição antecipada, configurada na verdadeira farra das prisões
cautelares: cerca de 43% da população
prisional brasileira ainda não tem condenação definitiva! Em outros termos,
quase metade da população prisional brasileira é juridicamente inocente!
O quadro apresentado sintetiza um pouco dos
horrores do sistema prisional brasileiro, mas é insuficiente para traduzir o
que apenas o contato direto com a realidade pode ensinar: cárcere não é lugar
de gente.
O Supremo Ministro, então presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal), Excelentíssimo Sr. Cezar Peluso, já criticara em março
de 2011 o sistema penitenciário do país e chegou a comparar algumas prisões às
"masmorras medievais". "Isso é um crime do Estado contra o
cidadão brasileiro", disse ele, durante seminário de segurança pública
promovido pela Faap (Fundação Armando Alvares Penteado)[3].
O próprio atual Ministro da Justiça assumiu publicamente isto, pouco tempo
depois de assumir o posto que ainda ocupa: “Se fosse para cumprir muitos anos
em uma prisão nossa, eu preferiria morrer”, disse durante um encontro com
empresários paulistas, fazendo a mesma alusão ao caráter de “terríveis
masmorras medievais” das prisões brasileiras[4].
Em face do nítido caráter seletivo, classista
e racista do sistema penal, cumpre a um Governo que se quer comprometido com as
camadas populares, com as pessoas mais humildes e exploradas desse país,
envidar todos os esforços para reverter o processo de encarceramento em massa e
pôr freios ao sistema penal.
É necessário, urgentemente, fechar as
comportas do sistema penal e estancar as “veias abertas” do sistema prisional
brasileiro com a adoção de medidas efetivas de desencarceramento, de abertura
do cárcere para a sociedade e de redução de danos enquanto houver prisões.
Nesse sentido, para além das medidas
apresentadas na “Agenda de Enfrentamento à Violência nas Periferias Urbanas”
atinentes, direta ou indiretamente, ao sistema carcerário, impõe-se a
construção de um robusto e integrado programa nacional de desencarceramento,
de abertura do cárcere para a sociedade e de redução de danos, composto
pelas seguintes diretrizes:
1 - Revogação do programa nacional de apoio ao
sistema prisional
O cerne do Programa Nacional de Apoio ao
Sistema Prisional, lançado em meados do segundo semestre de 2011, é o empenho
de cerca de 1 bilhão e 100 milhões de reais para a construção de novas unidades
prisionais em todo o país, com duas metas principais: “zerar o déficit de vagas
feminino e reduzir o número de presos em delegacias de polícia, transferindo
para cadeias públicas”.
Tal Programa, no entanto, é manifestamente
equivocado. Ainda que atingidas as metas do plano (construção de 42,5 mil novas
vagas), sequer se supriria, por exemplo, o déficit carcerário do Estado de São
Paulo, de cerca de 90 mil vagas em 2012 e que, a cada mês, tem o acréscimo, em
média, de 10.000 pessoas inclusas (contra cerca de 6.000 egressas).
A superlotação não deriva da ausência de
políticas para a construção de presídios (nos
últimos 20 anos, o Brasil saltou de 60 mil vagas para 306 mil vagas prisionais),
mas sim, bom iterar, das prisões abusivas, ilegais e discriminatórias
executadas contra as pessoas mais pobres desse país e do exagerado investimento em políticas repressivas em detrimento de
políticas sociais.
A construção
de presídios não apenas é inábil ao objetivo de aplacar a superlotação
carcerária, como também serve de fomento às prisões. De acordo
com David Ladipo, pesquisador do sistema prisional estadunidense, “quando as
prisões estão superlotadas, há maior pressão sobre os juízes para serem mais
seletivos na imposição de sentenças de encarceramento. Quando a capacidade das
prisões aumenta, parte dessa pressão diminui”[5].
O Governo Federal deve imediatamente cessar
qualquer política de construção de presídios para priorizar políticas que, de
fato, são aptas a equacionar os principais problemas atinentes ao sistema
carcerário.
O “Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional”
é um erro e reclama urgente revogação, sob pena de contribuir ainda mais para a
expansão do sistema e da população prisionais.
2 – Pacto Republicano para construção de plano
plurianual de redução da população prisional e dos Danos Causados pela Prisão
No lugar de um programa com metas para a
construção de presídios, propõe-se pacto republicano entre os três poderes e
entre os entes federativos para a construção
de metas voltadas à redução da
população prisional e de suas mazelas e à implementação de políticas de acolhimento social de jovens e adultos
egressos.
No que toca à redução da população prisional e de suas mazelas, bom lembrar que o
Governo Federal conta com importante expediente para impulsionar a redução da
população prisional: o indulto.
Trata-se de prerrogativa constitucional atribuída à Presidência da República
(conforme artigo 84, XII, CR) que deve ser mais amplamente utilizada para
enfrentar o encarceramento em massa, a exemplo da corajosa proposta
recentemente apresentada pelo Presidente italiano para liberar 24 mil presos do
também superlotado sistema prisional da Itália[6].
É de extrema importância, ademais, a inclusão
do sistema prisional entre as prioridades nas políticas de ampliação de oferta
de vagas de ensino e de aumento do número de médicos em locais carentes,
considerando, inclusive, a chegada de profissionais estrangeiros, no âmbito das
políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa “Mais Médicos”.
Com relação à implementação de políticas de acolhimento social de jovens e adultos
egressos, sugere-se que a construção das metas seja guiada pelos seguintes pontos
elencados pela Pastoral Carcerária (anexo 1): 1) levantamento prévio e
detalhado da situação, das necessidades e das dificuldades encontradas pelos
egressos, bem como consultas democráticas e construção participativa de
políticas voltadas para essa população; 2) implementação de trabalho de
conscientização territorial e comunitário a fim de superar os efeitos danosos
causados pelo encarceramento; 3) integração dos diversos componentes
territoriais em rede; 4) programa integral de atenção aos egressos
individualizado, respeitando os distintos grupos sociais e com políticas
voltadas para as minorias; 5) respeitar as especificidades do atendimento das
mulheres egressas; 6) garantia de célere atendimento à pessoa egressa, de
preferência já no limiar de sua saída; 7) formação adequada das polícias e
outros agentes de segurança pública para que saibam como trabalhar com esta
população; e 8) produção permanente de dados e acompanhamento das políticas
implementadas.
Ainda no âmbito da política para pessoas
egressas, vale replicar importante apontamento do documento da Pastoral
Carcerária (anexo 1):
“Trata-se de
uma questão da qual o Plano Juventude Viva, que busca reduzir os índices de
vulnerabilidade e, consequentemente, de mortalidade da população jovem e negra
nas cidades brasileiras não pode se furtar, já que a passagem pelo sistema
prisional aumenta a vulnerabilidade da pessoa e retira, ainda mais, sua
dignidade e sua cidadania.”
O Plano
Plurianual de Redução da População Prisional e dos Danos Causados Pela Prisão
aqui proposto poderia ser pactuado e reajustado anualmente, observados o
permanente acompanhamento das políticas de atendimento às pessoas egressas e a
realização de visitas conjuntas a todas unidades prisionais do país, com a
garantia ampla participação da sociedade civil, a fim de detectar o cumprimento
de suas diretrizes, de promover a liberação de pessoas presas ilegalmente e de
identificar, apurar e sanar eventuais violações de direitos.
3 - Alterações legislativas para a máxima Limitação
da aplicação de prisões cautelares
Como já afirmado, apesar de vigorar no Brasil
o princípio constitucional da presunção de inocência, cerca de 43% da população
prisional ainda não tem condenação definitiva. Os mutirões empolgados pelo CNJ
têm demonstrado, reiteradamente, o excessivo número de prisões ilegais e
abusivas.
Nesse contexto, é fundamental que o Governo
se empenhe em articular, junto à sua base aliada no Congresso Nacional,
alterações legislativas que abarque, no mínimo: a) a exclusão das hipóteses de
decretação de prisão preventiva “como garantia da ordem pública ou da ordem
econômica”, “em face da extrema gravidade do fato” e “diante da prática
reiterada de crimes pelo mesmo autor” (as duas últimas hipóteses são
retrocessos inclusos no PLS 156/2009); b) a ampliação dos casos em que a
decretação da prisão preventiva é vedada; c) a redução do prazo máximo da
prisão preventiva prevista no anteprojeto de Código de Processo Penal que
tramita no Congresso Nacional – PLS 156/2009 (de acordo com o qual a prisão
preventiva poderá perdurar por até 720 dias).
4 – Contra a criminalização do Uso e Comércio de
Drogas
No âmbito da “Agenda de Enfrentamento à
Violência nas Periferias Urbanas”, alega-se, na defesa do programa “Crack é
Possível Vencer”: Embora a violência
urbana não seja resultante exclusivamente do uso abusivo de drogas e de seu
comércio, ela esta intimamente relacionada com esta agenda.
A asserção é parcialmente verdadeira. A
violência urbana, na verdade, não está intimamente ligada com o uso e o
comércio de drogas, mas, mais precisamente, com a criminalização do uso e do
comércio de drogas.
De acordo com Maria Lúcia Karam[7],
a criminalização do comércio de drogas, longe de inibi-lo, carreia à sociedade
o “subproduto” da violência: seja para enfrentar a repressão, seja para
resolver conflitos de concorrência, os comerciantes de drogas têm na violência
o meio necessário para garantir seus negócios.
De outra perspectiva, a política de “guerra
às drogas” traz impactos imensos ao sistema carcerário e é determinante na
construção de carreiras criminais entre jovens pobres das periferias.
O número de pessoas presas por tráfico mais
do que triplicou entre 2005 e 2011, passando de 31.520 para 115.287.
O modelo atual (cujo marco legal é a Lei
11.343/2006), além de não atingir o objetivo de evitar a utilização de
entorpecentes, agrava o problema, eis que as pessoas presas sob acusação de
tráfico são, em regra, aquelas que estão na base da hierarquia do comércio de
entorpecentes: pessoas pobres (geralmente primárias), residentes na periferia,
que não raras vezes traficam para sustentar o próprio vício.
Conforme já apontado, a política de combate
às drogas é ainda mais cruel quando se trata das mulheres: mais do que a metade da população prisional feminina é composta de
mulheres acusadas por crime de tráfico de drogas.
Já passa do tempo de romper com a deletéria
guerra estadunidense contra as drogas (e, por via oblíqua, contra os
periféricos) e elevar o enfrentamento aos efeitos nocivos do uso de
entorpecentes ao patamar de política de saúde e de educação públicas.
5 - Contração Máxima do Sistema Penal e Abertura
para a Justiça Horizontal
Para Luigi Ferrajoli, Direito Penal mínimo é
aquele “condicionado e limitado ao máximo” e que “corresponde não apenas ao
grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo,
mas também a um ideal de racionalidade e de certeza”[8].
Adotar o parâmetro do Direito Penal mínimo
denota, portanto, o estabelecimento de caminhos os mais estreitos para o
sistema penal, de tal modo que ele não transborde as limitações constitucionais
e legais cuja aplicação poderia lhe emprestar alguma legitimidade.
Nesse sentido, em vista da existência de dois
anteprojetos de Código Penal em debate nas duas Casas Legislativas e da
necessidade de restringir a pena de prisão ao menor número de casos possível,
pleiteia-se empenho do Governo para a abolição da pena de prisão: nos crimes de
menor potencial ofensivo; nos crimes punidos com detenção; nos crimes de ação penal
de iniciativa privada; nos crimes de perigo abstrato; e nos os crimes
desprovidos de violência ou grave ameaça.
Faz-se necessária, ademais, mudança na regra
geral estampada no artigo 100, § 1º, do Código Penal, pela qual, salvo
disposição contrária (e são raras as disposições contrárias), a ação penal é
pública e incondicionada.
No tópico relativo à “Justiça Comunitária” da
“Agenda de Enfrentamento à Violência nas Periferias Urbanas”, firma-se o
objetivo de “estimular comunidades a construir seus próprios caminhos para a
realização da Justiça, de forma pacífica e solidária”.
No entanto, enquanto viger a regra geral do
artigo 100, § 1º, do Código Penal, a vítima e sua comunidade, no mais das vezes,
terão sempre papéis irrelevantes na condução do processo institucional de
responsabilização. Quando muito, servirão de prova testemunhal, cujas vontades
e necessidades são desprezíveis no âmbito do processo penal.
Com o fim de minimamente descongestionar os
espaços amplamente ocupados pelo sistema penal vigente, convém alterar a
redação do artigo 100, § 1º, do Código Penal para inverter a regra geral: a
ação penal passa a ser pública condicionada, salvo disposição contrária. De
modo que a pessoa lesada, sempre que se sentir contemplada por outros meios de
construção de justiça, poderá abdicar da intervenção penal.
Raciocínio homólogo vale para o sistema penal
juvenil. Apesar de já contar com dispositivo que tem aberto relativo espaço
para a aplicação de práticas restaurativas (artigo 126 do ECA e artigo 35 do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), o procedimento depende da
discricionariedade do Ministério Público e nada tem de horizontal ou
comunitário, vez que ainda institucionalizado e, portanto, submetido ao peso e
à verticalidade da jurisdição. Melhor seria que os processos para a apuração de
ato infracional dependessem, igualmente, de expressa manifestação da pessoa
lesada.
Assim, facultada à pessoa lesada a decisão
por representar ou não para a promoção da ação penal ou infracional,
possibilita-se a abertura de canais comunitários de resolução consensual e não
punitiva do conflito. Obviamente, caso seja promovida a representação, a pessoa
acusada, ora perante o poder-dever de punir do Estado, deverá ser provida de
todas as garantias fundamentais do devido processo legal.
Ainda no campo de possíveis alterações do
Código Penal, é de se reforçar o repúdio às atuais tentativas de tipificar o
crime de terrorismo, tendencialmente entornadas à criminalização dos movimentos
sociais. Nesse sentido, reforçamos integralmente o teor do Manifesto de repúdio às propostas de tipificação do crime de Terrorismo,
assinado por mais do que 130 organizações e movimentos sociais (anexo 2).
6 –Ampliação das Garantias na LEP
A Lei de Execução Penal, por sua vez, também
reclama reforma, especialmente para conformá-la à Constituição da República.
Nesse sentido, alguns aspectos deveriam ser
considerados: judicialização de todos os procedimentos relativos ao cumprimento
de pena; regulamentação da revista de visitas, com vedação expressa às chamadas “revistas vexatórias”; ampliação
das hipóteses de aplicação de prisão domiciliar, tornando-a instrumento de
combate ao desrespeito aos direitos das pessoas presas; revogação do regime
disciplinar diferenciado; redução dos lapsos temporais; exclusão do
(arbitrário) requisito subjetivo (“bom comportamento carcerário”) para a
progressão de regime e para a concessão do livramento condicional;
fortalecimento do poder judicial de interdição de unidades prisionais; e
detalhamento da atribuição judicial (artigo 66, VII) para a apuração de tortura,
maus-tratos e outras graves violações a direitos fundamentais da pessoa presa.
Necessário, ademais, seja promovida alteração
na LEP para garantir os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla
defesa, conforme previsão do Eixo I, item 11, do “Acordo de Cooperação para
Melhoria do Sistema prisional”.
O PL 7977/2010, citado na “Agenda de
Enfrentamento à Violência nas Periferias Urbanas”, é importantíssimo, mas, a
nosso ver, reclama alguns reparos, nos termos das sugestões enviadas alhures e
que ora reapresentamos (anexo 4).
7–Ainda no âmbito da LEP: Abertura do cárcere e
criação de mecanismos de controle popular
Atualmente, o acesso ao cárcere é quase que circunscrito
às atividades de assistência religiosa e, de maneira completamente precária e
instável, a atividades acadêmicas e humanitárias, sempre dependentes da
autorização do Poder Executivo.
No artigo 4º da Lei de Execução Penal,
dispõe-se: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades
de execução da pena e da medida de segurança”.
Interpretada a partir dos fundamentos
constitucionais e dos objetivos fundamentais inscritos nos artigos 1º e 3º da
Constituição da República, a expressão "cooperação da comunidade"
deve ser compreendida como abertura ao envolvimento da comunidade na equação
dos danos produzidos pelo conflito e pela pena, com a possibilidade de
restabelecer os laços da pessoa presa com a sua comunidade no decorrer do
cumprimento da pena de prisão.
Há dois outros dispositivos contidos na LEP
que também poderiam ser aplicados a fim de promover a abertura do cárcere para
a sociedade: 1) no artigo 23, VII, a atribuição de "orientar e amparar,
quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima",
conferida ao serviço de assistência social, fornece fundamentos suficientes
para as equipes de serviço social se empenharem na construção de espaços de
encontro da pessoa presa com a pessoa ofendida; 2) no artigo 64, I ,abre-se a
possibilidade de o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP) estabelecer marco normativo que regulamente e amplie o acesso ao
cárcere pela sociedade.
No entanto, é fundamental encampar reformas
na LEP conducentes à abertura crescente do cárcere à sociedade, com a inclusão
da assistência humanitária no rol do artigo 11 e a regulamentação de visitas ao
cárcere pela sociedade.
Outra importante medida a ser adotada
nacionalmente é a obrigatoriedade da criação de Ouvidorias Externas e Independentes, capitaneadas por membros
externos à carreira pública escolhidos no âmbito da Sociedade Civil. Apesar de
convencionada na Meta 3 do Plano Diretor do Sistema Penitenciário (2008), são
poucos os Estados que implementaram Ouvidorias Externas e Independentes do
Sistema Prisional.
8 - Vedação à privatização do sistema prisional
É intolerável, absolutamente intolerável, qualquer
espécie de delegação da gestão prisional à iniciativa privada.
Em primeiro lugar, porque é inconstitucional: de um lado, é
indelegável a função punitiva do Estado, eis que atada ao monopólio da força
estruturante da República e parte, portanto, dela.
Como bem assinala José Luiz Quadros de
Magalhães: “para privatizar o Estado e suas funções essenciais privatizando, por
exemplo, a execução penal, teríamos que fazer uma nova Constituição”[9].
Por outro lado, punição não é atividade
econômica e nem seria admissível que o fosse. A mercantilização da liberdade de
pessoas fulmina, no limite, o fundamento constitucional da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, CR).
Para além da inconstitucionalidade e da
patente imoralidade expressa nas tentativas de transformar prisões em negócios,
fato é que, também do ponto de vista administrativo, a privatização é uma péssima opção, salvo para iniciativa privada,
ávida por auferir altos dividendos com a pena alheia.
Ora, parece de todo óbvio que a iniciativa
privada não explorará o sistema prisional (ou qualquer outro “ramo” que o
Estado permita explorar) sem que lhe seja permitida a extração de taxa de
lucro, o que, ao que tudo indica, fará recrudescer os custos com o
aprisionamento.
No mesmo sentido, é pedagógico o alerta de
Antônio Carlos Prado, Editor Executivo da Revista Isto É, em recentíssimo artigo publicado na própria revista:
O que pode então parecer, à primeira vista, uma solução para o
caótico sistema penitenciário brasileiro guarda armadilhas. Estudos feitos no
Brasil apontam que, com a privatização, cada preso custará mensalmente em média
R$ 4 mil – quantia que os governos terão de repassar às empresas. Nem no
Principado de Mônaco, onde se oferece champanhe no café da manhã (não é ironia,
é isso mesmo), um presidiário custa tanto. Será que o prisioneiro, aqui, já não
está sendo superfaturado? Se essa é a quantia necessária para mantê-lo, então
como explicar que o governo paulista tenha despendido apenas R$ 41 per capita
ao longo do último ano? Por que os gestores dos cofres públicos, tão econômicos
na questão prisional, tornam-se generosos quando entra em cena a iniciativa
privada?[10]
É patente que, a despeito dos auspiciosos
argumentos relativos às supostas “melhores técnicas de gestão da iniciativa
privada”, há um único interesse em jogo aos que defendem a privatização (‘PPPs’
inclusas, sublinhe-se): o lucro de investidores privados.
Basta divisar os exemplos de outros países
para não claudicar com relação à incontornável inaptidão da iniciativa privada
para tornar o sistema prisional algo menos indecente do que ele é.
Tanto nos EUA quanto na Inglaterra (conforme se
evidencia na tese de doutorado de Laurindo Minhoto[11]),
os indicadores apontam para a manutenção, nas unidades privadas, das mazelas
que se prometia combater: fugas constantes, mortes ocasionadas por negligência,
denúncias de torturas e maus-tratos, rebeliões, entre outras mazelas, foram e
são registradas frequentemente nos presídios privados estadunidenses e
ingleses.
As pontuais experiências de privatização no
Brasil não são diferentes. Exemplo mais conhecido vem do Estado do Paraná, cujo
antigo Governador, hoje Senador da República, Roberto Requião, delineia e
critica categoricamente.
Em sessão no Senado, ao rechaçar projeto de
lei de privatização dos presídios, o Senador afirmou que, quando assumiu o
Governo do Paraná, em 2003, encontrou uma série de presídios privatizados. Segundo ele: eram “presídios sui generis, que exigiam quase um
vestibular para admitir o preso. Era uma espécie de Circuito Elizabeth Arden
para presos extremamente prestigiados pela estrutura. Só entravam lá condenados
que pudessem frequentar a lista de candidatos ao céu, ao panteão dos santos, e
a remuneração que esses presos recebiam era uma lição exemplar da ideia da
mais-valia. É claro, o modelo não deu certo, e o Estado, na minha
administração, retomou esses presídios”.
Vale ainda mencionar o insuspeito Paul
Krugman, prêmio Nobel de economia e liberal nato, que, em artigo escrito na
Folha de São Paulo, motivado por uma série de matérias publicadas no New York
Times sobre o sistema prisional privatizado de New Jersey, afirma:
“Os
operadores privados de penitenciárias só conseguem economizar dinheiro por meio
de reduções em quadros de funcionários e nos benefícios aos trabalhadores. As
penitenciárias privadas economizam dinheiro porque empregam menos guardas e
pagam menos a eles. E em seguida lemos histórias de horror sobre o que acontece
nas prisões.”[12]
Tem-se, portanto, por inescapável a conclusão
pela completa falta de razoabilidade (e de constitucionalidade e moralidade
também) em qualquer intento de privatizar o sistema prisional, o que, longe de
trazer soluções reais para o povo aprisionado e seus familiares, traria, na
realidade, um asqueroso assédio ao Poder Legislativo em busca de mais penas,
mais prisões e, portanto, mais lucros.
A bem do real interesse público, qualquer
investimento em prisões deve repelir a iniciativa privada, vinculando a
liberação de verbas federais exclusivamente à implementação de melhorias em
unidades prisionais completamente estatais já existentes.
9 – Prevenção e Combate à Tortura
Fruto da articulação da sociedade civil
organizada, a Lei 12.847/2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura e criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e
o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ainda carece de
implementação.
Em face da ocorrência de torturas
sistemáticas no sistema prisional, constatadas em diversos relatórios (vide,
por exemplo: CPI do Sistema Carcerário/2008, Pastoral Carcerária/2010, Mutirão
Carcerário do CNJ/2012, entre outros), é urgente a implementação e o
aparelhamento do Mecanismo de Prevenção à Tortura, garantindo plenas
independência e autonomia, com membros escolhidos entre e pela sociedade civil,
sem ingerência do Poder Público.
Para além do Mecanismo de Prevenção à
Tortura, cumpre estabelecer, como já anotado supra, marco normativo para a
especificação da atuação dos órgãos da Execução Penal (em especial, o Juízo da
Execução) na atribuição de apurar torturas, maus-tratos e outras violações a
direitos fundamentais.
Ademais, no desiderato de combater
incansavelmente a tortura, prática execrável que remonta aos primórdios da
invasão portuguesa ao Brasil, é elementar que se envide esforços para a célere
aprovação do Projeto de Lei 554/2011, citado na “Agenda de Enfrentamento à
Violência nas Periferias Urbanas”, que prevê a realização da chamada “audiência
de custódia”. A aprovação de referido projeto adequará a legislação brasileira
ao Pacto de São José de Costa Rica, com a imposição da apresentação da pessoa
presa ao Juízo competente em 24 horas. Cuida-se de inovação apta não apenas a
possibilitar o rápido acesso à Justiça, mas, sobretudo, a coibir a prática de
tortura.
10- Desmilitarização das Polícias e do Sistema
Prisional
Por derradeiro, urge promover a
desmilitarização definitiva das polícias e da gestão prisional.
A lógica militar é norteada pela política de
guerra, na qual os pobres, quase sempre pretos, quase sempre periféricos, são
eleitos como inimigos e se transformam em alvos exclusivos das miras e das
algemas policiais.
Entulho deixado pela ditadura civil-militar
que ainda permeia nosso cotidiano, o militarismo das polícias brasileiras é
fator determinante para a alta taxa de letalidade da nossa polícia e,
igualmente, para o processo de encarceramento em massa, a tal ponto que a
própria ONU já recomendou ao Brasil que desmilitarize suas polícias[13].
Sobre a necessidade de promover a
desmilitarização das polícias, Túlio Viana afirma:
“O
treinamento militarizado da polícia brasileira se reflete em seu número de
homicídios. A Polícia Militar de São Paulo mata quase nove vezes mais do que
todas as polícias dos EUA, que são formadas exclusivamente por civis. Segundo
levantamento do jornal Folha de S. Paulo divulgado em julho deste ano, “de 2006
a 2010, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com PMs paulistas.
Nos EUA, no mesmo período, conforme dados do FBI, foram 1.963 ‘homicídios
justificados’, o equivalente às resistências seguidas de morte registradas no
estado de São Paulo”. Neste estado, são 5,51 mortos pela polícia a cada 100 mil
habitantes, enquanto o índice dos EUA é de 0,63 . Uma diferença bastante
significativa, mas que, obviamente, não pode ser explicada exclusivamente pela
militarização da nossa polícia. Não obstante outros fatores que precisam ser
levados em conta, é certo, porém, que o treinamento e a filosofia militar da PM
brasileira são responsáveis por boa parte desses homicídios”[14].
A desconstrução do modelo de guerra
intrínseco ao militarismo, que - com exceção da previsão de polícias municipais
- parece estar bem delineada na PEC
53/2013 (de autoria do Senador Lindbergh Farias), é fundamental para a
construção de política abrangente de redução do Estado Penal, na medida em que
tal modelo expressa elemento violento e autoritário de alta incidência nas
comunidades mais vulneráveis.
No mais, a política de desmilitarização deve
também se estender ao sistema prisional. É imperativa “a erradicação da
militarização da gestão, da vigilância interna e de serviços penais, exceto os
guarda externa e escolta, nos termos das regras mínimas da ONU para o
tratamento de reclusos” (conforme manifesto constante do anexo 3), assim como
devem ser rechaçadas as propostas de transformação da carreira de agentes
prisionais em “polícia penitenciária”, em clara distorção à função de tutela (e
não de repressão) dos quadros do sistema penitenciário.
Igualmente rechaçáveis são as propostas que autorizam
o porte de arma fora de serviço aos agentes penitenciários federais e estaduais,
em especial a contida no PL 6565/2013, enviada pela Presidenta da República ao
Congresso Nacional, que está, como a própria Presidência afirmou em vetos
anteriores, “na contramão da política nacional de combate à violência e em
afronta ao Estatuto do Desarmamento”.
Como bem ponderado em nota pública da
Pastoral Carcerária:
“É
fundamental que o porte de armas de fogo fique restrito às instituições com
mandato para atuar na Segurança Pública, instituições capazes de estabelecer
mecanismos adequados de controle e treinamento de seus agentes. Além disso,
vale esclarecer que a concessão de porte de armas aos agentes prisionais já é
possível, desde que comprovada sua efetiva necessidade e atendimento dos
requisitos previstos na lei (como atestado de capacidade técnica e
psicológica)”[15].
A Reversão do
Encarceramento em Massa como Eixo Condutor da Presente Proposta
O principal eixo e, ao mesmo tempo, objeto do
Programa ora proposto é, indubitavelmente, a reversão do encarceramento em
massa e, portanto, a redução gradativa e substancial da população prisional do
país.
Todas as demais medidas não são exaustivas e compõem
política ampla que tem, ao fim e ao cabo, apenas dois objetivos: reduzir a
população prisional e garantir às pessoas presas e a seus familiares o mínimo
de dignidade e de sociabilidade, apesar do cárcere.
Por uma vida sem
grades; por grades menos Desumanas
Por um mundo sem grades, por grades menos desumanas,
afirmamos, de forma contundente, em coro às companheiras e companheiros
presentes no I Encontro Nacional dos Conselhos da Comunidade[16]:
NENHUMA VAGA A MAIS!
Espera-se que, a partir da proposta ora apresentada,
construa-se política sólida, sem remendos, que seja apta a atacar na
integralidade a grande chaga que representa o sistema penal às massas de
marginalizados e periféricos desse país.
Em respeito à memória dos ao menos 111 que
tombaram pelas mãos do Estado no denominado Massacre do Carandiru, ocorrido no
dia 2 de outubro de 1992, e de tantas centenas de outras pessoas presas mortas
pelos massacres cotidianos do cárcere, somos irredutíveis na exigência de uma
política integral de reversão do encarceramento em massa e da degradação
carcerária.
Assinam:
MÃES DE MAIO
PASTORAL
CARCERÁRIA NACIONAL – CNBB
INSTITUTO
PRÁXIS DE DIREITOS HUMANAS
MARGENS
CLÍNICAS
[1] LONDON. King´s College,
International Centre for Prison Studies. Disponível em: http://www.prisonstudies.org/.
[2] Nesse
aspecto, apoiamos integralmente o PL 2785/2011 (ora em trâmite no Senado como
PLC 58/2013), engendrado pela Pastoral Carcerária e pela Secretaria de Assuntos
Legislativos e enviado ao Congresso Nacional pela Presidência da República.
[5]LADIPO,
David. “O Retrocesso da Liberdade: Contabilizando o Custo da Tradição Prisional
Americana”. Cadernos de Pesquisa, nº 25. DEZ/2000 - UFSC.
[7]KARAM,
Maria Lúcia. Proibições, Riscos, Danos e Enganos: As Drogas Tornadas Ilícitas.
Lumen Juris, 2009.
[8]FERRAJOLI,
Luigi. Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, RT, 3ª edição, 2010.
[9]
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Privatizar
o sistema carcerário? In: OLIVEIRA, Rodrigo Tôrres, MATTOS, Virgílio de
(Org.). Estudos de execução Criminal:
Direito e Psicologia. 2009, p. 73/76.
[10]http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/52_ANTONIO+CARLOS+PRADO
(artigo completo: anexo 5)
[11]MINHOTO,
Laurindo Dias. Privatização de Presídios e Criminalidade: a gestão da violência
no capitalismo global. São Paulo: Max Limonad, 2000.
[12]
Vide: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/1109013-prisoes-privatizacao-e-padrinhos.shtml
(artigo completo: anexo 6)
[14]Desmilitarizar
e unificar a polícia. Artigo publicado no sítio eletrônico da Revista Fórum em
09.01.2013 (http://revistaforum.com.br/blog/2013/01/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/).
[16] Ocorrido
em 6 e 7.12.2012 (anexo 3)
segunda-feira, outubro 28, 2013
POR QUE É NECESSÁRIA URGENTEMENTE UMA POLÍTICA NACIONAL DE REPARAÇÃO INTEGRAL ÀS VÍTIMAS DIRETAS, COLATERAIS E CONEXAS DA VIOLÊNCIA E ABUSO DE PODER DE AGENTES DO ESTADO DEMOCRÁTICO?!
Nos termos de todas as Legislações Nacionais e Tratados Internacionais aos quais a República Federativa do Brasil afirma estar submetida:
CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988
CONSIDERANDO ademais que a mesma Constituição Federal de 1988
CONSIDERANDO que o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3)
CONSIDERANDO ademais que Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3)
CONSIDERANDO ainda que o mesmo Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3)
CONSIDERANDO também as diretrizes do Programa Interministerial “Juventude Viva”
CONSIDERANDO também que o Ministério da Justiça, por meio da Comissão de Anistia, em seu “PROJETO CLÍNICAS DO TESTEMUNHO
CONSIDERANDO ainda que, com o conceito de Justiça de Transição, a Comunidade Internacional produziu grandes avanços em relação ao modo como as sociedades lidam com legados de violações de direitos humanos, tendo estas ocorridas dentro ou fora de períodos de arbítrio. Que se reconhece internacionalmente que experiências sistemáticas de trauma social severo geram ao menos quatro obrigações ao Estado, sendo elas ainda mais graves e prementes quando os violadores são agentes do próprio Estado (que deveria promover os direitos e proteger o cidadão), a saber tais obrigações: 1. Investigar, processar e punir os violadores de direitos humanos; 2. Revelar a verdade; 3. Oferecer reparação adequada e 4. Reformar as instituições e afastar os criminosos dos postos que ocupavam. Claro está que o atendimento psicológico é parte fundamental do item 3, concernente à reparação do dano causado por agentes do Estado. Com efeito, não há quem questione que situações de grave ameaça à vida são causadoras de intenso sofrimento psíquico às vítimas e seus parentes, quadro psicopatológico conhecido há tempos por campos teóricos como o da psicanálise e reconhecido pela psiquiatria moderna ao menos desde 1980, como Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT). Recentemente inclusive, em Agosto de 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) publicaram um Guia reconhecendo a importância e estabelecendo “Novos protocolos de atendimento para o transtorno de estresse pós-traumático”
CONSIDERANDO ainda que há, atualmente, em diversas partes do mundo, importantes avanços no que tange à assistência, reparação e apoio às vítimas e “co-vítimas” de homicídio, tal qual o recém-publicado “Manual CARONTE de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídios”, elaborado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) junto à Comissão Européia de Direção-Geral à Justiça
CONSIDERANDO, finalmente, que o Brasil é signatário da “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder”, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 29 de Novembro de 1985
PROPOMOS EM REGIME DE URGÊNCIA a regulamentação do Art. nº 245 da Constituição especificamente no que tange à assistência e reparação aos herdeiros e dependentes carentes (“co-vítimas”) de pessoas vitimadas por crime doloso praticado por agente do Estado Democrático, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito, indicando outras providências:
UMA POLÍTICA NACIONAL DE REPARAÇÃO INTEGRAL ÀS VÍTIMAS E CO-VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA E ABUSO DE PODER DE AGENTES DO ESTADO DEMOCRÁTICO
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