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Fonte da notícia: Cimi - Assessoria de Imprensa
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=5953&action=read
Renato Santana
De Brasília
O saldo é de um indígena assassinado, quatro desaparecidos e uma porção de feridos no acampamento Tekoha Guaiviry, entre os municípios de Amambai e Ponta Porã (MS), onde uma comunidade Kaiowá Guarani foi atacada por um grupo com cerca de 40 pistoleiros - munidos com armas de groso calibre - na manhã desta sexta-feira (18).
Os números deverão ser mais bem esclarecidos durante a próxima semana, quando os indígenas estiverem recompostos no acampamento – por enquanto estão espalhados, em fuga.
Conforme o apurado junto a sete mulheres indígenas que fugiram pela mata e chegaram aos municípios de Amambai e Ponta Porã, durante a correria três jovens – J.V, 14 anos, M.M, 15 anos, e J.B, 16 anos - teriam sido baleados, sendo que um encontra-se hospitalizado e os outros dois desaparecidos.
“A gente não sabe se os dois desaparecidos tão mortos ou se foram sequestrados pelos pistoleiros, mas a certeza é de que foram atingidos e caíram”, disse uma das indígenas. Na fuga, elas eram um grupo de 12 mulheres. Cinco acabaram ficando para trás. Uma mulher e uma criança, conforme outros indígenas relataram ao Ministério Público federal (MPF), também são dadas como desaparecidas.
A Polícia Federal, integrantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e conselho Aty Guassu (Grande Assembleia Guarani), Fundação Nacional do Índio (Funai) e MPF estiveram no acampamento. Conforme nota, o MPF abriu investigação e na perícia constatou marcas de sangue que remontam a cena de um corpo sendo arrastado.
Possivelmente o do cacique Nísio Gomes, 59 anos, executado com tiros de calibre 12. Depois de morto, o corpo do indígena foi levado pelos pistoleiros – prática vista em outros massacres cometidos contra os Kaiowá Guarani no MS. As informações foram passadas logo depois do ataque por um indígena que correu para pedir socorro. Não há confirmação se além de Nísio outros indígenas foram mortos – mesmo os dois rapazes baleados e que estão desaparecidos.
“Estavam todos de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos irem para o chão. Portavam armas calibre 12”, disse um indígena da comunidade que presenciou o ataque e terá sua identidade preservada por motivos de segurança.
Conforme relato do indígena, o cacique foi executado com tiros na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas. “Chegaram para matar nosso cacique”, afirmou. O filho de Nísio tentou impedir o assassinato do pai, segundo o indígena, e se atirou sobre um dos pistoleiros. Bateram no rapaz, mas ele não desistiu. Só o pararam com um tiro de borracha no peito.
Na frente do filho, executaram o pai. Cerca de dez indígenas permaneceram no acampamento. O restante fugiu para o mato e só se sabe de um rapaz ferido pelos tiros de borracha – disparados contra quem resistiu e contra quem estava atirado ao chão por ordem dos pistoleiros. Este não é o primeiro ataque sofrido pela comunidade, composta por cerca de 60 Kaiowá Guarani.
Decisão é de permanecer
Desde o dia 1º deste mês os indígenas ocupam um pedaço de terra entre as fazendas Chimarrão, Querência Nativa e Ouro Verde – instaladas em Território Indígena de ocupação tradicional dos Kaiowá.
A ação dos pistoleiros foi respaldada por cerca de uma dezena de caminhonetes – marcas Hilux e S-10 nas cores preta, vermelha e verde. Na caçamba de uma delas o corpo do cacique Nísio foi levado, bem como os outros sequestrados, estejam mortos ou vivos.
“O povo continua no acampamento, nós vamos morrer tudo aqui mesmo. Não vamos sair do nosso tekoha”, afirmou o indígena. Ele disse ainda que a comunidade deseja enterrar o cacique na terra pela qual a liderança lutou a vida inteira. “Ele está morto. Não é possível que tenha sobrevivido com tiros na cabeça e por todo o corpo”, lamentou.
A comunidade vivia na beira de uma Rodovia Estadual antes da ocupação do pedaço de terra no tekoha Kaiowá. O acampamento atacado fica na estrada entre os municípios de Amambai e Ponta Porã, perto da fronteira entre Brasil e Paraguai.
Conforme recente publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre a violência pratica contra os povos indígenas do MS nos últimos oito anos, no estado está concentrada a maior quantidade de acampamentos indígenas do País, 31 - há dois anos, em 2009, eram 22.
São mais de 1200 famílias vivendo em condições degradantes à beira de rodovias ou sitiadas em fazendas. Expostas a violências diversas, as comunidades veem suas crianças sofrerem com a desnutrição – os casos somam 4 mil nos últimos oito anos - e longe do território tradicional.
Atualmente, 98% da população originária do estado vivem efetivamente em menos de 75 mil hectares, ou seja, 0,2% do território estadual. Em dados comparativos, cerca de 70 mil cabeças de gado, das mais de 22,3 milhões que o estado possui, ocupam área equivalente as que estão efetivamente na posse dos indígenas hoje.
Sobre o território
Com relatório em fase de conclusão pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a área ocupada pela comunidade está em processo de identificação desde 2008. Por conta disso, o ataque tem como principal causa o conflito pela posse do território. A região do ataque fica a meia hora da fronteira com o Paraguai.
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público Federal (MPF), referente ao processo de demarcação da Terra Indígena, está em execução.
Veja "À Sombra de um Delírio Verde"
Foi lançado nesta terça-feira (21) uma versão HD para internet do documentário que denuncia o processo de genocídio dos Guarani Kaiowá. “À Sombra de um Delírio Verde” mostra a triste situação do povo indígena com a maior população no Brasil que trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território contra as transnacionais do agronegócio. Trata-se de uma produção independente (assinada por produtores da Argentina, Bélgica e Brasil) que procura expor em 29 minutos as sistemáticas violências vividas por este povo.
http://vimeo.com/32440717
Contexto atual
Na última sexta-feira (dia 18) um grupo de pistoleiros fortemente armados promoveram no acampamento Tekoha Guaiviry, município de Amambaí, Mato Grosso do Sul, um forte ataque uma ataque conta a comunidade Guarani Kaiowá. O massacre teve como alvo o cacique Nísio Gomes, 59 anos, executado à tiros. Depois de morto, o corpo do indígena foi levado pelos pistoleiros – prática vista em outros crimes cometidos contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Além da morte de Nísio, dois adolescentes e uma criança permanecem desaparecidos.
Infelizmente, devido à impunidade de seus autores, há décadas esta prática já se tornou comum no estado do Mato Grosso do Sul, como pode ser comprovado no documentário “À Sombra de um Delírio Verde”. Este é o segundo massacre com as mesmas características promovido somente este ano.
A situação de violência contra os Guarani Kaiowá os coloca em relatórios de organismos internacionais como uma das piores situações vividas por um povo indígena no mundo.
"A ONG Anistia Internacional disse que o caso é "chocante" e criticou a lentidão das autoridades no processo de demarcação de terras na região", destacou a agência inglesa BBC.
"O vice-presidente do Conselho dos Direitos da Pessoa Humana, Percílio de Souza Lima neto, a morte do cacique foi uma tragédia anunciada", registrou o jornal O Estado de São Paulo
http://www.cimi.org.br/pub/MS/Viol_MS_2003_2010.pdf
Sinopse
Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.
Notas sobre o filme
“À Sombra de um Delírio Verde” (The Dark Side of Green) é uma produção independente realizada sem recursos públicos, de empresas ou do terceiro setor. Trabalharam de forma associada a repórter televisiva belga An Baccaert, o jornalista Cristiano Navarro e o repórter cinematográfico argentino Nicolas Muñoz.
O filme começou a ser rodado nas aldeias da região sul do Mato Grosso do Sul, em abril de 2008, e contou com apoio logístico da Associação de Professores Guarani Kaiowá, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Foodfirst Information & Action Network (Fian international). Sua finalização, feita de maneira “quase artesanal”, foi concluída em janeiro de 2011.
A maior parte das informações apuradas nas comunidades, com órgãos públicos e com associações de produtores rurais fazem parte dos trabalhos de investigação que Navarro desenvolve desde 2002 junto ao Cimi.
Sete músicas de fundo foram compostas especialmente para o documentário por Thomas Leonhardt. O grupo de hip-hop Bro’w, que canta a música No Yankee, é formado por jovens Guarani Kaiowá de comunidades das aldeias de Dourados, Mato Grosso do Sul.
A narração do documentário em português foi feita pela cantora sambista Fabiana Cozza. O documentário também possui narrações em espanhol, francês, inglês, alemão e holandês.
Mais do que um simples produto audiovisual, os realizadores do filme têm como expectativa utilizar o documentário para fazer uma denúncia internacional sobre a grave situação em que vive o povo Guarani Kaiowá, apoiando assim a sua luta pela reconquista de seu território tradicional.
http://www.thedarksideofgreen-themovie.com/
Ficha técnica:
Título Original: À Sombra de um Delírio Verde Documentário (The Dark Side of Green)
Gênero: Documentário
Produção: Argentina, Bélgica, Brasil
Tempo de Duração: 29 min
Ano de Lançamento: 2011
Direção, produção e roteiro: An Baccaert, Cristiano Navarro e Nicolas Muñoz
Narração em Português: Fabiana Cozza
Música composta por Thomas Leonhardt
Festivais
5º Festival de Cinema da Floresta (sem patrocínio da Petrobras ou BNDES)
23º Festival Cinémas d’Amérique Latine 2011, Tolouse, France
terça-feira, novembro 22, 2011
São Paulo: as execuções sumárias continuam (Angela Almeida na Caros Amigos)
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http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/artigos-e-debates/2148-sao-paulo-as-execucoes-sumerias-continuam
18/11/2011
São Paulo: as execuções sumárias continuam
Por Angela Mendes de Almeida
O que mais se pode dizer, que ainda não tenha sido dito, sobre as execuções sumárias praticadas por policiais e agentes do Estado? Que mais se pode dizer quanto à violência policial voltada para os territórios da pobreza, moradores de favelas e periferias urbanas pobres?
Ficando apenas no Estado de São Paulo, o que mais se pode dizer depois do massacre do Carandirú, em 2 de outubro de 1992, onde morreram 111 presos, sem nenhum assassino julgado e cumprindo pena? Que dizer depois do massacre do Castelinho, em 2002, uma armação orquestrada por dois juízes-corregedores, promotores e outras altas autoridades do Estado, que retirou ilegalmente de dentro da prisão dois presos condenados para que eles “convidassem” doze pessoas para um assalto a um avião carregado de malotes de dinheiro que nunca existiu e aí fossem metralhados por policiais? O que há ainda a dizer depois do Relatório apresentado à Asma Jahangir, relatora especial da ONU para execuções sumárias, em 2003, que sumariava mais de vinte casos de assassinatos ocorridos nos três anos anteriores, sobretudo em Guarulhos e Sapopemba? E depois do escândalo que foram as 493 mortes em apenas oito dias de maio de 2006, sendo que as autoridades paulistas somente conseguiram atribuir 47 crimes ao PCC, ficando as outras 446 sem esclarecimento, processo e condenação? Para além do que apuraram as entidades de direitos humanos como execuções sumárias a serem creditadas a agentes do Estado, será que, constatado o clima de histeria sensacionalista praticado pela mídia por instigação das forças policiais, durante o qual autoridades ostentavam uma licença para matar - “vai morrer uma média de 10 a 15 bandidos por dia em São Paulo a partir de agora”, "vamos revidar, vai ser pau puro", “vamos zerar o jogo”, “vai ter troco”, “a caça continua”, - não é o caso de responsabilizar todas as autoridades governamentais do Estado de São Paulo pela impunidade dos outros 446 mortos naqueles dias sangrentos do Maio 2006?
O que leva os brasileiros a não atribuir senão uma mínima importância - quando é o caso de deplorarem – a estes crimes cometidos por agentes do Estado, agindo em nome dele e pagos com dinheiro dos impostos? Porque, para além da barbárie que constituem, ninguém repara na total ilegalidade com que agem as forças policiais? Porque a impunidade é a regra? Porque o Poder Judiciário, quase sempre, quando chega a ser acionado, usa de seus argumentos retóricos para, de forma casuística, transformar o crime em ato legal, em uma mal chamada “resistência seguida de morte”?
Mas apesar das últimas considerações grandieloquentes das autoridades e de algumas providências inócuas, as execuções sumárias não param. As estatísticas provenientes da própria Secretaria de Segurança Pública o demonstram. Estima-se em 6.054 as mortes por policiais no Estado de São Paulo entre 2000 e 2010. Entre janeiro e junho de 2011, foram mortas por policiais militares em serviço ou de folga 334 pessoas, numa média de 1,85 por dia. Dessas mortes, 241 foram apresentadas como “resistência seguida de morte”.
Como se realizam as “resistências seguidas de morte”
As execuções sumárias ou extrajudiciais, ou seja, fora da lei é preciso que se repita, acontecem tanto por parte de policiais militares no exercício de suas funções, como por parte de agentes do Estado – além de policiais militares, policiais civis, guardas-civis, agentes carcerários e outros – fora de serviço, em meio às suas atividades particulares.
Também acontecem sob a fórmula de “autoria desconhecida”, ou seja grupos de extermínio formados por policiais para executarem os “marcados para morrer”: ex-presos, viciados em droga e todos os considerados “prejudiciais à sociedade”. Em geral estes assassinatos são praticados sob a forma de chacinas, rapidamente atribuídas a traficantes para que a investigação não avance. Para um observador atento, é bem fácil distinguir a chacina que é um acerto de contas entre traficantes e as que são obras de policiais. Nestas o evento é feito é lugar público de um bairro, todos os presentes são assassinados, além dos visados, os executores retiram-se com calma e pouco depois, sem que ninguém tenha sido chamado, policiais fardados aparecem para recolher as capsulas, corpos e “desarranjar” a cena do crime. Apesar disso, a fúria criminosa é tanta que alguns grupos de extermínio formados por policiais acabam sendo descobertos como “Os matadores do 18”, grupo de cerca de vinte policiais militares do 18º Batalhão, que atuavam na zona norte da capital e foram responsabilizados pelo assassínio do Coronel José Hermínio Rodrigues, em janeiro de 2008. É também o caso do grupo de extermínio conhecido com “Highlanders”, formado por policiais militares do 37º Batalhão, que na zona sul cortava cabeças de suas vítimas, e que foi descoberto em 2009 a partir do assassinato de um rapaz com deficiência mental. E por fim, é também o caso do grupo conhecido como “Ninjas”, pela máscara que usavam, que cometeram vários assassinatos na Baixada Santista entre abril e maio de 2010.
Outra forma, derivada das perseguições desvairadas que os policiais executam para prender um pequeno ladrão de carteiras, ou um “suspeito”, pela sua aparência, de ser um deliquente, é a “bala perdida”. Para defender o patrimônio dos ricos e da classe média os agentes do Estado não hesitam em promover tiroteios, de forma absolutamente ilegal, mesmo em lugares públicos cheios de gente, assumindo o risco de provocar uma morte. Quando isso acontece argumentam que foi “uma fatalidade” que atingiu “um inocente”.
O enfrentamento, a “troca” de tiros, é a desculpa para a execução sumária. Criaram a categoria de “resistência seguida de morte” (RSM), que não existe legalmente, pois que, dada a conivência das instituições da Polícia Civil, a excecução sumária é apresentada pelos policiais autores dos tiros que mataram como uma consequência de os mortos terem, depois de incitados a se entregarem, atirado. Assim o título “resistência seguida de morte” desloca o crime para o morto que resistiu e que como está morto não pode ser processado, sendo o caso arquivado. Por isso mesmo, no ato da feitura do boletim de ocorrência na delegacia, procura-se a folha corrida do morto para provar que ele “merecia” a morte, pois já tinha passagens pelo sistema prisional ou de recolhimento de adolescentes.
Casos anônimos de execução sumária
Nos relatos jornalísticos desses casos de “resistência seguida de morte”, que nada mais são que a transcrição do boletim de ocorrência transmitida por fontes policiais, a falsificação fica clara. Embora haja casos que ficam famosos, nos quais a farsa é desvendada oficialmente, mesmo nas simples notícias cotidianas pode-se discernir a falta de lógica de histórias mal contadas com a “dinâmica da vítima que ‘reage’ e ‘constrange’ o policial a atirar”. Em todos estes casos, mesmo que a vítima assassinada não esteja armada, providencia-se uma arma para colocar em suas mãos.
Eis um exemplo recente, narrado conforme a ótica policial, sob o título “Adolescente entra em confronto com policiais e morre” (a notar que na frase a ação do adolescente é que provoca sua morte). No Bom Retiro (bairro central de São Paulo), às 22hs de uma sexta-feira, policiais militares viram “quatro rapazes pedalando bicicletas e decidiram abordá-los. (...) Nesse momento (...) o adolescente de 16 anos tentou fugir pedalando em alta velocidade, enquanto os demais rapazes continuaram a transitar no mesmo ritmo.” Por esse motivo os policiais concentraram a atenção no que fugia, “que sacou um revólver e o apontou para a viatura.” Resultado: “pedalando em alta velocidade” o adolescente teve condições de atirar duas vezes nos policiais que, em seguida o mataram. Nesta parca notícia não se diz o que é possível adivinhar, isto é, que o adolescente não estava armado. Esta explicação só vem à tona quando família e amigos do morto têm condições de protestar.
Veja-se este outro exemplo, narrado em outro texto: “policiais militares em uma viatura suspeitaram de uma dupla de homens que caminhava junto a um terreno baldio. Ao perceber a atenção dos policiais, um deles fugiu em direção à favela, enquanto o outro ... ‘O outro permaneceu sentado em uma pedra e foi abordado. Segundo a polícia, ao ser revistado, o rapaz sacou uma arma calibre 38 e atirou contra um PM, que respondeu ao fogo e acertou as costas do suspeito em fuga. Ele foi socorrido, mas não resistiu ao ferimento.’ ” Tente o leitor racional entender a atitude do executado, que esperando sentado o momento de ser revistado, e tendo o policial próximo de si, saca uma arma que suscita a "reação" dos policiais, que o atingem nas costas, estando ele sentado! Como estes boletins de ocorrência são uma farsa, a falta absoluta de lógica não perturba os jornalistas, é um emblema de que os "suspeitos" estão fadados a morrer.”
Exemplo desse procedimento é também o caso do catador de papéis, Juliano Diogo, de 26 anos, que foi executado nos fatídicos oito dias de maio de 2006, em Ribeirão Preto. Na versão policial, ao avistar um carro da Polícia Militar, Juliano teria corrido, e mesmo correndo, atirou com uma arma em cada mão. No entanto um amigo teve a coragem de declarar no Ministério Público que viu quando Juliano “for morto com um tiro na barriga”. Uma outra testemunha declarou na Ouvidoria de Polícia que, ouvindo tiros, viu que os policiais, com luvas brancas, colocaram duas armas, uma em cada mão de Juliano, que já estava baleado mas ainda não morto, e apertaram os gatilhos aproximadamente 11 vezes em direção ao carro policial. Viu ainda, depois disso, Juliano ser arrastado e ser baleado com mais cinco tiros.
Casos famosos de execução sumária
Há os casos que se tornam célebres pois fica evidente que as vítimas mortais não podem ser acusadas de delinquentes. Entre abril e maio de 2010 dois casos comoveram parte da opinião pública, dois assassinatos praticados por policiais militares em situações distintas contra dois motoboys, ambos negros. Era uma categoria profissional e uma etnia que eram atingidas ao mesmo tempo. Apesar da comoção e de declarações altissonantes das maiores autoridades do Estado de São Paulo criticando o comportamento “inaceitável” dos policiais nos dois casos, nada mudou depois. O relato desses dois casos evidencia uma série de formas comportamentais constantes das forças policiais.
Eduardo Pinheiro dos Santos foi preso com outras três pessoas que brigavam entre si por causa de uma bicicleta furtada. Ao invés de serem levados para a delegacia, como manda a lei, foram para o quartel da Polícia Militar na Casa Verde, zona norte de São Paulo, em 9 de abril de 2010. Como Eduardo estava mais exaltado – ou seja, tinha levado um soco de um policial e revidou - foi colocado em uma viatura separada dos outros. E os três rapazes viram no quartel ele ser humilhado e espancado por todos os policiais que entravam no recinto. Três horas depois seu corpo foi encontrado na rua, em bairro vizinho, sem identificação. Outros policiais, chamados, constataram traumatismo craniano e hemorragia. E como fazem sempre que encontram um corpo já morto, ao invés de requisitarem uma perícia, levaram Eduardo para o pronto-socorro, onde então foi constatada a morte. No entanto as testemunhas falaram e rapidamente ficou esclarecido quem eram os policiais militares responsáveis. Foram presos provisoriamente e posteriormente indiciados criminalmente, ou seja, até aí o processo andou. Nessa ocasião as mais altas autoridades do governo de São Paulo afirmaram que não tinham dúvidas, “foi a tortura que levou o rapaz a óbito”, que não compactuavam com “aquele tipo de procedimento, abominável”, que se tratava de “fato isolado”, não se admitindo “esse tipo de situação na nossa instituição”. Uma autoridade policial, embora criticando, alegou que “é lógico, quando uma das pessoas está alterada, o policial militar precisa usar os meios necessários para conter essas agressões." A chave da questão se encontra, como se verá pelo desenrolar do processo, nos “meios necessários”.
Um mês depois, em 8 de maio, outro crime semelhante, porém em plena rua. Alexandre Menezes dos Santos, 25 anos, motoboy, negro, foi espancado e estrangulado até à morte em frente de sua casa e de sua mãe, no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. A história é semelhante a tantas outras. Tendo a motocicleta sem placa, ele foi perseguido e ao parar para entrar em sua casa foi abordado por quatro policiais militares. A mãe implorava para que os agentes do Estado parassem de bater mas foi ameaçada de ser presa. Foram cerca de 30 minutos de pontapés e socos no estômago, contou a mãe. “Depois vi o pescoço do meu filho mole, a baba escorrendo e a poça de sangue crescendo. (...) Eles batiam no rosto dele, tentavam reanimá-lo. Quando viram que não tinha jeito, jogaram-no dentro de um carro e foram embora.” Mais uma vez a prática de desarrumar a cena do crime evitando a perícia e levando o morto para um hospital, que constata a morte e envia para o IML.
Matar, por excesso, é tão corriqueiro que os quatro policiais militares apenas pagaram, na delegacia da Polícia Civil, uma fiança de R$ 480,00 e foram liberados. No dia seguinte, dada a repercussão do caso, foram presos pela Corregedoria da Polícia Militar. Mais uma vez as mais altas autoridades classificaram o crime de “deplorável e inaceitável”. Uma autoridade do âmbito militar esboçou uma explicação relacionando o maior número de mortes em ações policiais ao aumento de confrontos entre “bandidos mais armados” e “policiais mais preparados.” Para o advogado de defesa “foi excesso culposo (não intencional) e não homicídio doloso”
Neste caso o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público acusando os quatro policiais militares de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), mantendo a prisão até o julgamento. O laudo necroscópico declara que Alexandre foi morto por "asfixia mecânica por constrição cervical". Na acusação formal, os promotores argumentam que os policiais militares “assumiram o risco de matar a vítima”, descrevendo em detalhes os golpes que levaram à morte de Alexandre, culminando com a asfixia.
No entanto, enquanto o desenrolar deste caso levou ao indiciamento dos acusados, o Poder Judiciário encontrou um “jeitinho” de “declassificar” o crime dos policiais que mataram Eduardo Pinheiro dos Santos. Em dezembro de 2010 a Justiça concluiu que não se tratava de homicídio, um “crime doloso” contra a vida, e sim do crime de “tortura seguida de morte”, que prevê uma pena bem menor. Em consequência disso o crime não será mais julgado por um Tribunal do Júri, e sim por um simples juiz. Na decisão do juiz é dito que a morte de Eduardo foi apenas uma “decorrência de um castigo” que os policiais quiseram infringir a ele, sem a intenção de matar. Ou seja, tortura pode.
A “mãozinha” dada pelo Poder Judiciário para “declassificar” este crime está totalmente entrelaçada com a banalização da tortura no Brasil, expressa, entre outros fatores, pelo fato de que a Lei contra a Tortura brasileira (Lei 9.455, de 1997) é contraditória com a legislação internacional sobre os crimes de lesa-humanidade. Ela não especifica, como é o caso da jurisprudência vigente a partir do Tribunal de Nurenberg (1946), que a tortura é o crime cometido pelos agentes do Estado, em nome deles e sob sua guarda. Em decorrência disso, as penas são relativamente pequenas, praticamente não há notícia de agentes do Estado condenados, e ela serve para criminalizar babás, cuidadores de idosos e sequestradores civis.
Mas o que são esses confrontos entre “bandidos mais armados” e “policiais mais preparados” de que não se tem senão uma notícia resumida nas páginas dos jornais ou nos programas televisivos policialescos? É bastante raro assistir ao vivo um chamado “confronto” classificado como “resistência seguida de morte” e ter a coragem de testemunhar. Pois isso aconteceu em março de 2011, porém só foi noticiado em abril. E o testemunho não pôde ser apagado ou ignorado porque estava gravado no COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar). Através do número 190, uma mulher destemida e naturalmente defensora dos direitos humanos denunciou ao vivo um desses supostos confrontos, ou seja uma execução sumária realizada no cemitério de Ferraz de Vasconcelos, Grande São Paulo. Por entre os túmulos ela viu entrar uma viatura da Polícia Militar, um homem ser retirado da caçamba e levar um tiro. A vítima, Dileone Lacerda, de 27 anos, já tinha sido processado por roubo e formação de quadrilha, tinha saído da prisão recentemente e tinha roubado, com outros rapazes, uma van na zona leste de São Paulo. Era um desses “bandidos mais armados”? Morreu com um tiro na perna, levado durante a perseguição, e outro no peito disparado no cemitério. Mais tarde soube-se por testemunhas que ele havia sido preso em um condomínio onde, desarmado, teria apanhado dos policiais que já chegaram atirando. Sem saber que a testemunha tinha chamado o COPOM para narrar a execução sumária os dois policiais militares registraram corriqueiramente um boletim de ocorrência de “resistência seguida de morte” no qual a Polícia Civil não “vislumbrou indícios de qualquer irregularidade”, sendo o caso apresentado como legítima defesa. Os dois policiais já tinham um histórico de “resistências seguidas de morte”, três num caso e uma em outro. A Justiça de Ferraz de Vasconcelos acatou a denúncia do Ministério Público de homicídio duplamente qualificado para os dois policiais. Também desta vez, depois que o caso veio a público, o governador Alkmin cumprimentou a corajosa testemunha, qualificando-a de exemplo, e anunciou a diretriz de enviar todos os casos de RSM para investigação pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Mas as execuções sumárias continuaram.
Depois disso ainda tivermos, em agosto de 2011, o espetáculo de mais um “enfrentamento” entre policiais militares e “bandidos”, diante dos caixas de um supermercado, em Parada de Taipas, zona norte de São Paulo. Milagrosamente ninguém ficou ferido, a não ser os seis que tentavam roubar caixas eletrônicas. Ah, o milagre se deu, veio a público em seguida, porque antes de executá-los, conforme informações da Polícia Civil, os PMs viraram uma das câmeras de segurança para a parede.
E ainda, no mesmo mês, ficamos sabendo que o espetacular “assalto” ao quartel da ROTA, em agosto de 2010, em plena efervescência da campanha eleitoral, pretenso recomeço de ataques do PCC, afinal talvez nem tenha existido, conforme relatório confidencial da inteligência da Polícia Civil destinado à cúpula do governo. Mas será que era muito difícil em 2010 perceber que havia algo de muito estranho no ato de um homem que, sozinho, atira contra os altos muros do quartel? E que se tratava de uma misteriosa execução sumária cuja finalidade ainda não veio à tona? Agora ficamos sabendo também, por declarações da família, que o ousado atacante era uma pessoa viciada em drogas, que morria de medo da polícia e que jamais teria a coragem de um ato dessa natureza. Tamanho quadro de ilegalidades e falsidades ainda não foi objeto de inquérito e processo judicial.
Quando os policiais explicam as “resistências seguidas de morte”
Nas forças de Segurança Pública, é óbvio, nem todos matam. Porém o corporativismo é um poderoso fermento que une os agentes do Estado na defesa daquele que cometeu o crime ou na sua relativização. Há, no entanto, policiais matadores falam, às vezes para se vangloriar, às vezes para deplorar “os excessos”. Essas falas são recebidas pelas autoridades e pela opinião pública, inclusive a progressista, como folclore, algo indigno de ser levado a sério. Ao contrário do que deveria acontecer, nunca dão lugar a inquéritos e processos por apologia ao crime.
Em 20 de abril de 2003, em pleno Jornal Nacional da Globo, o jornalista Valmir Salaro entrevistou um policial matador de Guarulhos que afirmou ter matado “mais ou menos 115”. E explicou bem o modus operandi das execuções sumárias. “Noventa por cento dos tiroteios de que participei foram forjados, 10% só que são verdadeiros (...) Um tiroteio forjado é aquele em que só o policial atira. O bandido vai atirar só depois de morto, só. Aí você pega a mão dele, dá uns três tiros para o alto ou numa viatura. (...) Você vai vendo se o marginal está morto dentro da viatura. Se ele não estiver, você tem que dar um jeito dele chegar morto no pronto-socorro, senão ele vai falar o que aconteceu. Normalmente você dá um ou dois tiros para conferir dentro da viatura, ou para no meio de um matagal e ‘confere’ ele com um tiro ou dois na cabeça ou no peito, para dizer que ele chega morto no hospital. (...) Muitas vezes você sente remorso, porque você pode mesmo ter matado um pai de família, um trabalhador, mas quando você sabe que foi um vagabundo mesmo que morreu, um bandido, aí você não tem muito remorso, não. (...) Eu não aguento mais a pressão dentro de mim. Ou eu me matava ou eu desabafava”,
Os crimes das polícias executados no maio sangrento de 2006 também deram ensejo a que um policial militar se desafogasse com jornalistas. Em setembro de 2007 o jornal O Estado de São Paulo, depois de quatro longas entrevistas ao longo de um ano e checagem por parte dos repórteres de dados paralelos, publicou em quatro singelas matérias as declarações de um soldado da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de choque da Polícia Militar), identificando-o apenas como P. Aparentemente revoltado com o "exagero" dos atos policiais, ele descreveu casos concretos de como se dão as "derrubadas". Em relação ao maio de 2006, relatou como, com a tropa formada, o oficial pediu a seus homens uma "resposta" (aos ataques do PCC). Dia 13 de maio, sábado, foram 9 mortos. Em seguida o oficial parabenizou pelo trabalho feito e pediu continuidade. No dia seguinte, 16 mortos. Depois disso o oficial pediu para "maneirar" um pouco e no dia seguinte foram só 8 mortos: "Deu, tá bom!". Em relação ao modus operandi o soldado P. também deu detalhes (citando casos concretos conferidos): os alvos são pessoas com passagem pela polícia ou que cumpram pena em regime semiaberto, "escolhidos" aleatoriamente em favelas ou periferias pobres, por sua "atitude suspeita". São presos e mortos imediatamente ou "guardados" no porta-malas da viatura para serem mortos na ocasião da encenação. Depois os policiais forjam um tiroteio em cima de um carro roubado, ou de algum comerciante que se presta a emprestar o carro para a encenação, dando queixa de roubo na polícia, ou de um carro que os próprios policiais roubam, depois de tirar a farda.
E mais recentemente o jornalista Renato Santana, no marco de uma série de reportagens sobre execuções sumárias na Baixada Santista em abril de 2010, conseguiu entrevistar dois ex-policiais que lhe revelaram as entranhas das supostas “resistências seguidas de morte”. “O Lenda” explica como se montam ocorrências “redondas”. Aposentado, “virou professor para os policiais mais novos e o salvador dos descuidados”. Dá uma aula ao repórter sobre como descaracterizar a arma de um crime pedida pela perícia: “Na alma do cano (parte interna do cano) se você pegar uma bala, passar graxa, ou qualquer material adesivo, areia, e der um tiro, no exame técnico vai ser constatada outra arma. Vai mudar a sua característica interior. Vai criar ranhuras que anteriormente a arma não tinha. Um projétil coletado antes vai ter características diferentes desse coletado depois, para confronto, ou seja, balística.” Naturalmente defende as execuções generalizadas: “O suposto inocente, ou citado como inocente pela mídia, que está às duas horas, três horas da madrugada num boteco que fica numa biqueira (ponto de tráfico) da periferia não é inocente. (...) O inocente não existe.”
O outro ex-policial entrevistado, “Juca”, explica como constituir um grupo de extermínio, com três ou quatro falando “nossa linguagem, com pouco mais de apetite (...) É um grupo fechado que atua descaracterizado, com a chamada touca.” Quanto à morte de “inocentes” nessas matanças o policial é singelo: “Às vezes, acontece de errar. Olhar e achar que o cara é bandido e não é, pelo modo de o cara se vestir e de agir. Você faz aquela análise rápida e vê. Se achar que o cara é bandido também, vai junto. (...) Foi pego na rua de madrugada: tem passagem? Tem! Não era nem levado para a delegacia. Era executado e jogado na primeira viela que encontrasse pela frente.” E mais precisamente explica sobre as execuções sumárias: “90% das ocorrências de resistência seguida de morte são montadas. A polícia pega o bandido, vamos supor, dentro de sua casa. Só está o policial e o bandido, que não vai encarar 20 policiais. (...) A gente já andava com o chamado kit. Era uma mochila contendo várias armas frias. Porque se o alvo não tivesse armado, mas tivesse uma situação que a gente podia matar, a gente matava e colocava uma arma fria na mão dele. Aí o policial faz a montagem do local da ocorrência. Se matou o cara, o policial não vai dizer o número de tiros. Dá dois ou três tiros em locais fatais e sabe que o cara vai morrer. Mas como vai saber se o cara é destro ou canhoto? A gente ‘faz a mão’ do indivíduo. Coloca a arma fria na mão esquerda e efetua o disparo. Na mão direita, outro disparo. Pode fazer o residuográfico que consta pólvora nas duas mãos.Tudo para deixar a ocorrência mais redonda com a simulação de troca de tiros.” Na sua aula magna o ex-policial dá a receita certa para não deixar provas para a perícia (recolha de capsulas e de corpos), levar sempre o morto ou ferido para um hospital para não ser acusado de omissão de socorro e matar “o indivíduo” no percurso da viatura, caso ele ainda esteja vivo, não descartando longas voltas para retardar o atendimento.
Essas revelações de crueldade e apreço para com as execuções sumárias foram mais uma vez ilustradas recentemente com a repercussão de um vídeo de um minuto e meio, gravado por um policial militar durante um assassinato, e que circulou pacificamente na internet durante três anos, para regozijo dos que acham que “bandido bom é bandido morto”. O autor dos tiros que vitimou mortalmente um rapaz, ferindo o outro, um adolescente, com seis tiros, por causa de um reles roubo de talões de cheques, celulares e pouco mais de R$ 500,00, foi um guarda-civil municipal. Mas policiais militares de quatro viaturas vieram para apreciar e gozar da agonia dos dois rapazes durante 40 minutos. O caso aconteceu em maio de 2008, na zona leste de São Paulo. O vídeo mostra os dois deitados, um deles espumando pela boca, com os olhos paralisados, em choque mortal, e o adolescente chorando, ensanguentado. Ouvem-se frases como “Estrebucha, filho da puta”, “Não morreu ainda?”, “Tomara que morra no caminho (para o hospital)”. O policial militar que grava as cenas do adolescente, identificado por suas botas e pelo cinturão do uniforme lhe diz: “Está vendo o inferno? Esse não morreu ainda? Deu sorte, hein, meu!".
Assim é toda uma visão de mundo, recuperada pelos programas policialescos de televisão, que está introjetada nos modos de comportamento, mesmo os burocráticos, das forças de segurança. Não estranha, pois, que um promotor do Tribunal do Júri tenha pedido o arquivamento de um caso de execução sumária com a seguinte frase: “Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas um dos rapinantes enviado para o inferno.” E aconselha ao réu: “Melhore sua mira..." E não estranha ainda que tal frase, escrita em documento oficial, não tenha tido nenhuma consequência judicial.
Como se vê, as execuções sumárias e extrajudiciais são um cancro incentivado por um sistema de conivências que vai desde o assassino até as mais altas autoridades do país, passando pela apologia do “assassinato de bandidos”, e que conta com a tolerância da opinião pública progressista, inclusive da esquerda, apática para denunciar estas violações aberrantes da lei do Estado democrático de Direito, colaborando para a impunidade.
Angela Mendes de Almeida é coordenadora do Observatório das Violências Policiais-PUC/SP.
http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/artigos-e-debates/2148-sao-paulo-as-execucoes-sumerias-continuam
18/11/2011
São Paulo: as execuções sumárias continuam
Por Angela Mendes de Almeida
O que mais se pode dizer, que ainda não tenha sido dito, sobre as execuções sumárias praticadas por policiais e agentes do Estado? Que mais se pode dizer quanto à violência policial voltada para os territórios da pobreza, moradores de favelas e periferias urbanas pobres?
Ficando apenas no Estado de São Paulo, o que mais se pode dizer depois do massacre do Carandirú, em 2 de outubro de 1992, onde morreram 111 presos, sem nenhum assassino julgado e cumprindo pena? Que dizer depois do massacre do Castelinho, em 2002, uma armação orquestrada por dois juízes-corregedores, promotores e outras altas autoridades do Estado, que retirou ilegalmente de dentro da prisão dois presos condenados para que eles “convidassem” doze pessoas para um assalto a um avião carregado de malotes de dinheiro que nunca existiu e aí fossem metralhados por policiais? O que há ainda a dizer depois do Relatório apresentado à Asma Jahangir, relatora especial da ONU para execuções sumárias, em 2003, que sumariava mais de vinte casos de assassinatos ocorridos nos três anos anteriores, sobretudo em Guarulhos e Sapopemba? E depois do escândalo que foram as 493 mortes em apenas oito dias de maio de 2006, sendo que as autoridades paulistas somente conseguiram atribuir 47 crimes ao PCC, ficando as outras 446 sem esclarecimento, processo e condenação? Para além do que apuraram as entidades de direitos humanos como execuções sumárias a serem creditadas a agentes do Estado, será que, constatado o clima de histeria sensacionalista praticado pela mídia por instigação das forças policiais, durante o qual autoridades ostentavam uma licença para matar - “vai morrer uma média de 10 a 15 bandidos por dia em São Paulo a partir de agora”, "vamos revidar, vai ser pau puro", “vamos zerar o jogo”, “vai ter troco”, “a caça continua”, - não é o caso de responsabilizar todas as autoridades governamentais do Estado de São Paulo pela impunidade dos outros 446 mortos naqueles dias sangrentos do Maio 2006?
O que leva os brasileiros a não atribuir senão uma mínima importância - quando é o caso de deplorarem – a estes crimes cometidos por agentes do Estado, agindo em nome dele e pagos com dinheiro dos impostos? Porque, para além da barbárie que constituem, ninguém repara na total ilegalidade com que agem as forças policiais? Porque a impunidade é a regra? Porque o Poder Judiciário, quase sempre, quando chega a ser acionado, usa de seus argumentos retóricos para, de forma casuística, transformar o crime em ato legal, em uma mal chamada “resistência seguida de morte”?
Mas apesar das últimas considerações grandieloquentes das autoridades e de algumas providências inócuas, as execuções sumárias não param. As estatísticas provenientes da própria Secretaria de Segurança Pública o demonstram. Estima-se em 6.054 as mortes por policiais no Estado de São Paulo entre 2000 e 2010. Entre janeiro e junho de 2011, foram mortas por policiais militares em serviço ou de folga 334 pessoas, numa média de 1,85 por dia. Dessas mortes, 241 foram apresentadas como “resistência seguida de morte”.
Como se realizam as “resistências seguidas de morte”
As execuções sumárias ou extrajudiciais, ou seja, fora da lei é preciso que se repita, acontecem tanto por parte de policiais militares no exercício de suas funções, como por parte de agentes do Estado – além de policiais militares, policiais civis, guardas-civis, agentes carcerários e outros – fora de serviço, em meio às suas atividades particulares.
Também acontecem sob a fórmula de “autoria desconhecida”, ou seja grupos de extermínio formados por policiais para executarem os “marcados para morrer”: ex-presos, viciados em droga e todos os considerados “prejudiciais à sociedade”. Em geral estes assassinatos são praticados sob a forma de chacinas, rapidamente atribuídas a traficantes para que a investigação não avance. Para um observador atento, é bem fácil distinguir a chacina que é um acerto de contas entre traficantes e as que são obras de policiais. Nestas o evento é feito é lugar público de um bairro, todos os presentes são assassinados, além dos visados, os executores retiram-se com calma e pouco depois, sem que ninguém tenha sido chamado, policiais fardados aparecem para recolher as capsulas, corpos e “desarranjar” a cena do crime. Apesar disso, a fúria criminosa é tanta que alguns grupos de extermínio formados por policiais acabam sendo descobertos como “Os matadores do 18”, grupo de cerca de vinte policiais militares do 18º Batalhão, que atuavam na zona norte da capital e foram responsabilizados pelo assassínio do Coronel José Hermínio Rodrigues, em janeiro de 2008. É também o caso do grupo de extermínio conhecido com “Highlanders”, formado por policiais militares do 37º Batalhão, que na zona sul cortava cabeças de suas vítimas, e que foi descoberto em 2009 a partir do assassinato de um rapaz com deficiência mental. E por fim, é também o caso do grupo conhecido como “Ninjas”, pela máscara que usavam, que cometeram vários assassinatos na Baixada Santista entre abril e maio de 2010.
Outra forma, derivada das perseguições desvairadas que os policiais executam para prender um pequeno ladrão de carteiras, ou um “suspeito”, pela sua aparência, de ser um deliquente, é a “bala perdida”. Para defender o patrimônio dos ricos e da classe média os agentes do Estado não hesitam em promover tiroteios, de forma absolutamente ilegal, mesmo em lugares públicos cheios de gente, assumindo o risco de provocar uma morte. Quando isso acontece argumentam que foi “uma fatalidade” que atingiu “um inocente”.
O enfrentamento, a “troca” de tiros, é a desculpa para a execução sumária. Criaram a categoria de “resistência seguida de morte” (RSM), que não existe legalmente, pois que, dada a conivência das instituições da Polícia Civil, a excecução sumária é apresentada pelos policiais autores dos tiros que mataram como uma consequência de os mortos terem, depois de incitados a se entregarem, atirado. Assim o título “resistência seguida de morte” desloca o crime para o morto que resistiu e que como está morto não pode ser processado, sendo o caso arquivado. Por isso mesmo, no ato da feitura do boletim de ocorrência na delegacia, procura-se a folha corrida do morto para provar que ele “merecia” a morte, pois já tinha passagens pelo sistema prisional ou de recolhimento de adolescentes.
Casos anônimos de execução sumária
Nos relatos jornalísticos desses casos de “resistência seguida de morte”, que nada mais são que a transcrição do boletim de ocorrência transmitida por fontes policiais, a falsificação fica clara. Embora haja casos que ficam famosos, nos quais a farsa é desvendada oficialmente, mesmo nas simples notícias cotidianas pode-se discernir a falta de lógica de histórias mal contadas com a “dinâmica da vítima que ‘reage’ e ‘constrange’ o policial a atirar”. Em todos estes casos, mesmo que a vítima assassinada não esteja armada, providencia-se uma arma para colocar em suas mãos.
Eis um exemplo recente, narrado conforme a ótica policial, sob o título “Adolescente entra em confronto com policiais e morre” (a notar que na frase a ação do adolescente é que provoca sua morte). No Bom Retiro (bairro central de São Paulo), às 22hs de uma sexta-feira, policiais militares viram “quatro rapazes pedalando bicicletas e decidiram abordá-los. (...) Nesse momento (...) o adolescente de 16 anos tentou fugir pedalando em alta velocidade, enquanto os demais rapazes continuaram a transitar no mesmo ritmo.” Por esse motivo os policiais concentraram a atenção no que fugia, “que sacou um revólver e o apontou para a viatura.” Resultado: “pedalando em alta velocidade” o adolescente teve condições de atirar duas vezes nos policiais que, em seguida o mataram. Nesta parca notícia não se diz o que é possível adivinhar, isto é, que o adolescente não estava armado. Esta explicação só vem à tona quando família e amigos do morto têm condições de protestar.
Veja-se este outro exemplo, narrado em outro texto: “policiais militares em uma viatura suspeitaram de uma dupla de homens que caminhava junto a um terreno baldio. Ao perceber a atenção dos policiais, um deles fugiu em direção à favela, enquanto o outro ... ‘O outro permaneceu sentado em uma pedra e foi abordado. Segundo a polícia, ao ser revistado, o rapaz sacou uma arma calibre 38 e atirou contra um PM, que respondeu ao fogo e acertou as costas do suspeito em fuga. Ele foi socorrido, mas não resistiu ao ferimento.’ ” Tente o leitor racional entender a atitude do executado, que esperando sentado o momento de ser revistado, e tendo o policial próximo de si, saca uma arma que suscita a "reação" dos policiais, que o atingem nas costas, estando ele sentado! Como estes boletins de ocorrência são uma farsa, a falta absoluta de lógica não perturba os jornalistas, é um emblema de que os "suspeitos" estão fadados a morrer.”
Exemplo desse procedimento é também o caso do catador de papéis, Juliano Diogo, de 26 anos, que foi executado nos fatídicos oito dias de maio de 2006, em Ribeirão Preto. Na versão policial, ao avistar um carro da Polícia Militar, Juliano teria corrido, e mesmo correndo, atirou com uma arma em cada mão. No entanto um amigo teve a coragem de declarar no Ministério Público que viu quando Juliano “for morto com um tiro na barriga”. Uma outra testemunha declarou na Ouvidoria de Polícia que, ouvindo tiros, viu que os policiais, com luvas brancas, colocaram duas armas, uma em cada mão de Juliano, que já estava baleado mas ainda não morto, e apertaram os gatilhos aproximadamente 11 vezes em direção ao carro policial. Viu ainda, depois disso, Juliano ser arrastado e ser baleado com mais cinco tiros.
Casos famosos de execução sumária
Há os casos que se tornam célebres pois fica evidente que as vítimas mortais não podem ser acusadas de delinquentes. Entre abril e maio de 2010 dois casos comoveram parte da opinião pública, dois assassinatos praticados por policiais militares em situações distintas contra dois motoboys, ambos negros. Era uma categoria profissional e uma etnia que eram atingidas ao mesmo tempo. Apesar da comoção e de declarações altissonantes das maiores autoridades do Estado de São Paulo criticando o comportamento “inaceitável” dos policiais nos dois casos, nada mudou depois. O relato desses dois casos evidencia uma série de formas comportamentais constantes das forças policiais.
Eduardo Pinheiro dos Santos foi preso com outras três pessoas que brigavam entre si por causa de uma bicicleta furtada. Ao invés de serem levados para a delegacia, como manda a lei, foram para o quartel da Polícia Militar na Casa Verde, zona norte de São Paulo, em 9 de abril de 2010. Como Eduardo estava mais exaltado – ou seja, tinha levado um soco de um policial e revidou - foi colocado em uma viatura separada dos outros. E os três rapazes viram no quartel ele ser humilhado e espancado por todos os policiais que entravam no recinto. Três horas depois seu corpo foi encontrado na rua, em bairro vizinho, sem identificação. Outros policiais, chamados, constataram traumatismo craniano e hemorragia. E como fazem sempre que encontram um corpo já morto, ao invés de requisitarem uma perícia, levaram Eduardo para o pronto-socorro, onde então foi constatada a morte. No entanto as testemunhas falaram e rapidamente ficou esclarecido quem eram os policiais militares responsáveis. Foram presos provisoriamente e posteriormente indiciados criminalmente, ou seja, até aí o processo andou. Nessa ocasião as mais altas autoridades do governo de São Paulo afirmaram que não tinham dúvidas, “foi a tortura que levou o rapaz a óbito”, que não compactuavam com “aquele tipo de procedimento, abominável”, que se tratava de “fato isolado”, não se admitindo “esse tipo de situação na nossa instituição”. Uma autoridade policial, embora criticando, alegou que “é lógico, quando uma das pessoas está alterada, o policial militar precisa usar os meios necessários para conter essas agressões." A chave da questão se encontra, como se verá pelo desenrolar do processo, nos “meios necessários”.
Um mês depois, em 8 de maio, outro crime semelhante, porém em plena rua. Alexandre Menezes dos Santos, 25 anos, motoboy, negro, foi espancado e estrangulado até à morte em frente de sua casa e de sua mãe, no bairro Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. A história é semelhante a tantas outras. Tendo a motocicleta sem placa, ele foi perseguido e ao parar para entrar em sua casa foi abordado por quatro policiais militares. A mãe implorava para que os agentes do Estado parassem de bater mas foi ameaçada de ser presa. Foram cerca de 30 minutos de pontapés e socos no estômago, contou a mãe. “Depois vi o pescoço do meu filho mole, a baba escorrendo e a poça de sangue crescendo. (...) Eles batiam no rosto dele, tentavam reanimá-lo. Quando viram que não tinha jeito, jogaram-no dentro de um carro e foram embora.” Mais uma vez a prática de desarrumar a cena do crime evitando a perícia e levando o morto para um hospital, que constata a morte e envia para o IML.
Matar, por excesso, é tão corriqueiro que os quatro policiais militares apenas pagaram, na delegacia da Polícia Civil, uma fiança de R$ 480,00 e foram liberados. No dia seguinte, dada a repercussão do caso, foram presos pela Corregedoria da Polícia Militar. Mais uma vez as mais altas autoridades classificaram o crime de “deplorável e inaceitável”. Uma autoridade do âmbito militar esboçou uma explicação relacionando o maior número de mortes em ações policiais ao aumento de confrontos entre “bandidos mais armados” e “policiais mais preparados.” Para o advogado de defesa “foi excesso culposo (não intencional) e não homicídio doloso”
Neste caso o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público acusando os quatro policiais militares de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), mantendo a prisão até o julgamento. O laudo necroscópico declara que Alexandre foi morto por "asfixia mecânica por constrição cervical". Na acusação formal, os promotores argumentam que os policiais militares “assumiram o risco de matar a vítima”, descrevendo em detalhes os golpes que levaram à morte de Alexandre, culminando com a asfixia.
No entanto, enquanto o desenrolar deste caso levou ao indiciamento dos acusados, o Poder Judiciário encontrou um “jeitinho” de “declassificar” o crime dos policiais que mataram Eduardo Pinheiro dos Santos. Em dezembro de 2010 a Justiça concluiu que não se tratava de homicídio, um “crime doloso” contra a vida, e sim do crime de “tortura seguida de morte”, que prevê uma pena bem menor. Em consequência disso o crime não será mais julgado por um Tribunal do Júri, e sim por um simples juiz. Na decisão do juiz é dito que a morte de Eduardo foi apenas uma “decorrência de um castigo” que os policiais quiseram infringir a ele, sem a intenção de matar. Ou seja, tortura pode.
A “mãozinha” dada pelo Poder Judiciário para “declassificar” este crime está totalmente entrelaçada com a banalização da tortura no Brasil, expressa, entre outros fatores, pelo fato de que a Lei contra a Tortura brasileira (Lei 9.455, de 1997) é contraditória com a legislação internacional sobre os crimes de lesa-humanidade. Ela não especifica, como é o caso da jurisprudência vigente a partir do Tribunal de Nurenberg (1946), que a tortura é o crime cometido pelos agentes do Estado, em nome deles e sob sua guarda. Em decorrência disso, as penas são relativamente pequenas, praticamente não há notícia de agentes do Estado condenados, e ela serve para criminalizar babás, cuidadores de idosos e sequestradores civis.
Mas o que são esses confrontos entre “bandidos mais armados” e “policiais mais preparados” de que não se tem senão uma notícia resumida nas páginas dos jornais ou nos programas televisivos policialescos? É bastante raro assistir ao vivo um chamado “confronto” classificado como “resistência seguida de morte” e ter a coragem de testemunhar. Pois isso aconteceu em março de 2011, porém só foi noticiado em abril. E o testemunho não pôde ser apagado ou ignorado porque estava gravado no COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar). Através do número 190, uma mulher destemida e naturalmente defensora dos direitos humanos denunciou ao vivo um desses supostos confrontos, ou seja uma execução sumária realizada no cemitério de Ferraz de Vasconcelos, Grande São Paulo. Por entre os túmulos ela viu entrar uma viatura da Polícia Militar, um homem ser retirado da caçamba e levar um tiro. A vítima, Dileone Lacerda, de 27 anos, já tinha sido processado por roubo e formação de quadrilha, tinha saído da prisão recentemente e tinha roubado, com outros rapazes, uma van na zona leste de São Paulo. Era um desses “bandidos mais armados”? Morreu com um tiro na perna, levado durante a perseguição, e outro no peito disparado no cemitério. Mais tarde soube-se por testemunhas que ele havia sido preso em um condomínio onde, desarmado, teria apanhado dos policiais que já chegaram atirando. Sem saber que a testemunha tinha chamado o COPOM para narrar a execução sumária os dois policiais militares registraram corriqueiramente um boletim de ocorrência de “resistência seguida de morte” no qual a Polícia Civil não “vislumbrou indícios de qualquer irregularidade”, sendo o caso apresentado como legítima defesa. Os dois policiais já tinham um histórico de “resistências seguidas de morte”, três num caso e uma em outro. A Justiça de Ferraz de Vasconcelos acatou a denúncia do Ministério Público de homicídio duplamente qualificado para os dois policiais. Também desta vez, depois que o caso veio a público, o governador Alkmin cumprimentou a corajosa testemunha, qualificando-a de exemplo, e anunciou a diretriz de enviar todos os casos de RSM para investigação pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Mas as execuções sumárias continuaram.
Depois disso ainda tivermos, em agosto de 2011, o espetáculo de mais um “enfrentamento” entre policiais militares e “bandidos”, diante dos caixas de um supermercado, em Parada de Taipas, zona norte de São Paulo. Milagrosamente ninguém ficou ferido, a não ser os seis que tentavam roubar caixas eletrônicas. Ah, o milagre se deu, veio a público em seguida, porque antes de executá-los, conforme informações da Polícia Civil, os PMs viraram uma das câmeras de segurança para a parede.
E ainda, no mesmo mês, ficamos sabendo que o espetacular “assalto” ao quartel da ROTA, em agosto de 2010, em plena efervescência da campanha eleitoral, pretenso recomeço de ataques do PCC, afinal talvez nem tenha existido, conforme relatório confidencial da inteligência da Polícia Civil destinado à cúpula do governo. Mas será que era muito difícil em 2010 perceber que havia algo de muito estranho no ato de um homem que, sozinho, atira contra os altos muros do quartel? E que se tratava de uma misteriosa execução sumária cuja finalidade ainda não veio à tona? Agora ficamos sabendo também, por declarações da família, que o ousado atacante era uma pessoa viciada em drogas, que morria de medo da polícia e que jamais teria a coragem de um ato dessa natureza. Tamanho quadro de ilegalidades e falsidades ainda não foi objeto de inquérito e processo judicial.
Quando os policiais explicam as “resistências seguidas de morte”
Nas forças de Segurança Pública, é óbvio, nem todos matam. Porém o corporativismo é um poderoso fermento que une os agentes do Estado na defesa daquele que cometeu o crime ou na sua relativização. Há, no entanto, policiais matadores falam, às vezes para se vangloriar, às vezes para deplorar “os excessos”. Essas falas são recebidas pelas autoridades e pela opinião pública, inclusive a progressista, como folclore, algo indigno de ser levado a sério. Ao contrário do que deveria acontecer, nunca dão lugar a inquéritos e processos por apologia ao crime.
Em 20 de abril de 2003, em pleno Jornal Nacional da Globo, o jornalista Valmir Salaro entrevistou um policial matador de Guarulhos que afirmou ter matado “mais ou menos 115”. E explicou bem o modus operandi das execuções sumárias. “Noventa por cento dos tiroteios de que participei foram forjados, 10% só que são verdadeiros (...) Um tiroteio forjado é aquele em que só o policial atira. O bandido vai atirar só depois de morto, só. Aí você pega a mão dele, dá uns três tiros para o alto ou numa viatura. (...) Você vai vendo se o marginal está morto dentro da viatura. Se ele não estiver, você tem que dar um jeito dele chegar morto no pronto-socorro, senão ele vai falar o que aconteceu. Normalmente você dá um ou dois tiros para conferir dentro da viatura, ou para no meio de um matagal e ‘confere’ ele com um tiro ou dois na cabeça ou no peito, para dizer que ele chega morto no hospital. (...) Muitas vezes você sente remorso, porque você pode mesmo ter matado um pai de família, um trabalhador, mas quando você sabe que foi um vagabundo mesmo que morreu, um bandido, aí você não tem muito remorso, não. (...) Eu não aguento mais a pressão dentro de mim. Ou eu me matava ou eu desabafava”,
Os crimes das polícias executados no maio sangrento de 2006 também deram ensejo a que um policial militar se desafogasse com jornalistas. Em setembro de 2007 o jornal O Estado de São Paulo, depois de quatro longas entrevistas ao longo de um ano e checagem por parte dos repórteres de dados paralelos, publicou em quatro singelas matérias as declarações de um soldado da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de choque da Polícia Militar), identificando-o apenas como P. Aparentemente revoltado com o "exagero" dos atos policiais, ele descreveu casos concretos de como se dão as "derrubadas". Em relação ao maio de 2006, relatou como, com a tropa formada, o oficial pediu a seus homens uma "resposta" (aos ataques do PCC). Dia 13 de maio, sábado, foram 9 mortos. Em seguida o oficial parabenizou pelo trabalho feito e pediu continuidade. No dia seguinte, 16 mortos. Depois disso o oficial pediu para "maneirar" um pouco e no dia seguinte foram só 8 mortos: "Deu, tá bom!". Em relação ao modus operandi o soldado P. também deu detalhes (citando casos concretos conferidos): os alvos são pessoas com passagem pela polícia ou que cumpram pena em regime semiaberto, "escolhidos" aleatoriamente em favelas ou periferias pobres, por sua "atitude suspeita". São presos e mortos imediatamente ou "guardados" no porta-malas da viatura para serem mortos na ocasião da encenação. Depois os policiais forjam um tiroteio em cima de um carro roubado, ou de algum comerciante que se presta a emprestar o carro para a encenação, dando queixa de roubo na polícia, ou de um carro que os próprios policiais roubam, depois de tirar a farda.
E mais recentemente o jornalista Renato Santana, no marco de uma série de reportagens sobre execuções sumárias na Baixada Santista em abril de 2010, conseguiu entrevistar dois ex-policiais que lhe revelaram as entranhas das supostas “resistências seguidas de morte”. “O Lenda” explica como se montam ocorrências “redondas”. Aposentado, “virou professor para os policiais mais novos e o salvador dos descuidados”. Dá uma aula ao repórter sobre como descaracterizar a arma de um crime pedida pela perícia: “Na alma do cano (parte interna do cano) se você pegar uma bala, passar graxa, ou qualquer material adesivo, areia, e der um tiro, no exame técnico vai ser constatada outra arma. Vai mudar a sua característica interior. Vai criar ranhuras que anteriormente a arma não tinha. Um projétil coletado antes vai ter características diferentes desse coletado depois, para confronto, ou seja, balística.” Naturalmente defende as execuções generalizadas: “O suposto inocente, ou citado como inocente pela mídia, que está às duas horas, três horas da madrugada num boteco que fica numa biqueira (ponto de tráfico) da periferia não é inocente. (...) O inocente não existe.”
O outro ex-policial entrevistado, “Juca”, explica como constituir um grupo de extermínio, com três ou quatro falando “nossa linguagem, com pouco mais de apetite (...) É um grupo fechado que atua descaracterizado, com a chamada touca.” Quanto à morte de “inocentes” nessas matanças o policial é singelo: “Às vezes, acontece de errar. Olhar e achar que o cara é bandido e não é, pelo modo de o cara se vestir e de agir. Você faz aquela análise rápida e vê. Se achar que o cara é bandido também, vai junto. (...) Foi pego na rua de madrugada: tem passagem? Tem! Não era nem levado para a delegacia. Era executado e jogado na primeira viela que encontrasse pela frente.” E mais precisamente explica sobre as execuções sumárias: “90% das ocorrências de resistência seguida de morte são montadas. A polícia pega o bandido, vamos supor, dentro de sua casa. Só está o policial e o bandido, que não vai encarar 20 policiais. (...) A gente já andava com o chamado kit. Era uma mochila contendo várias armas frias. Porque se o alvo não tivesse armado, mas tivesse uma situação que a gente podia matar, a gente matava e colocava uma arma fria na mão dele. Aí o policial faz a montagem do local da ocorrência. Se matou o cara, o policial não vai dizer o número de tiros. Dá dois ou três tiros em locais fatais e sabe que o cara vai morrer. Mas como vai saber se o cara é destro ou canhoto? A gente ‘faz a mão’ do indivíduo. Coloca a arma fria na mão esquerda e efetua o disparo. Na mão direita, outro disparo. Pode fazer o residuográfico que consta pólvora nas duas mãos.Tudo para deixar a ocorrência mais redonda com a simulação de troca de tiros.” Na sua aula magna o ex-policial dá a receita certa para não deixar provas para a perícia (recolha de capsulas e de corpos), levar sempre o morto ou ferido para um hospital para não ser acusado de omissão de socorro e matar “o indivíduo” no percurso da viatura, caso ele ainda esteja vivo, não descartando longas voltas para retardar o atendimento.
Essas revelações de crueldade e apreço para com as execuções sumárias foram mais uma vez ilustradas recentemente com a repercussão de um vídeo de um minuto e meio, gravado por um policial militar durante um assassinato, e que circulou pacificamente na internet durante três anos, para regozijo dos que acham que “bandido bom é bandido morto”. O autor dos tiros que vitimou mortalmente um rapaz, ferindo o outro, um adolescente, com seis tiros, por causa de um reles roubo de talões de cheques, celulares e pouco mais de R$ 500,00, foi um guarda-civil municipal. Mas policiais militares de quatro viaturas vieram para apreciar e gozar da agonia dos dois rapazes durante 40 minutos. O caso aconteceu em maio de 2008, na zona leste de São Paulo. O vídeo mostra os dois deitados, um deles espumando pela boca, com os olhos paralisados, em choque mortal, e o adolescente chorando, ensanguentado. Ouvem-se frases como “Estrebucha, filho da puta”, “Não morreu ainda?”, “Tomara que morra no caminho (para o hospital)”. O policial militar que grava as cenas do adolescente, identificado por suas botas e pelo cinturão do uniforme lhe diz: “Está vendo o inferno? Esse não morreu ainda? Deu sorte, hein, meu!".
Assim é toda uma visão de mundo, recuperada pelos programas policialescos de televisão, que está introjetada nos modos de comportamento, mesmo os burocráticos, das forças de segurança. Não estranha, pois, que um promotor do Tribunal do Júri tenha pedido o arquivamento de um caso de execução sumária com a seguinte frase: “Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas um dos rapinantes enviado para o inferno.” E aconselha ao réu: “Melhore sua mira..." E não estranha ainda que tal frase, escrita em documento oficial, não tenha tido nenhuma consequência judicial.
Como se vê, as execuções sumárias e extrajudiciais são um cancro incentivado por um sistema de conivências que vai desde o assassino até as mais altas autoridades do país, passando pela apologia do “assassinato de bandidos”, e que conta com a tolerância da opinião pública progressista, inclusive da esquerda, apática para denunciar estas violações aberrantes da lei do Estado democrático de Direito, colaborando para a impunidade.
Angela Mendes de Almeida é coordenadora do Observatório das Violências Policiais-PUC/SP.
domingo, novembro 20, 2011
sábado, novembro 19, 2011
Corte Interamericana analisa Crimes de Maio
do jornal A TRIBUNA , Sábado 19 novembro de 2011
http://www.atribuna.com.br
EDUARDO BRANDÃO
DA REDAÇÃO
A ferida aberta ainda sangra, apesar dos anos. E o sentimento de perda só é superado pelo apelo por Justiça. Sem que se vislumbrem apurações do caso em solo brasileiro, uma corte internacional poderá analisar os assassinatos ocorridos em resposta à onda de ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2006, os chamados Crimes de Maio.
A possibilidade dos casos serem levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos foi defendida, ontem, em audiência pública para discutir a série de assassinatos no fatídico maio de 2006. A proposta teve no ouvidor nacional dos Direitos Humanos, Domingos Sávio Dresch da Silveira, seu principal porta-voz. "A Secretaria Nacional de Direitos Humanos (Sedh) da Presidência da República enxerga que estes episódios ocorrem sistematicamente na Baixada Santista", destaca Silveira. "Não são situações banais. Caracterizam chacinas e uma violação dos direitos humanos". A análise dos crimes na corte sediada em San José, capital da Costa Rica, é mais um passo de familiares das vítimas em busca de Justiça. Em instância estadual, os processos foram encerrados sem se apontar os culpados.
Familiares das vítimas alegam que faltam esclarecimentos. "O Ministério Público (do Estado) afirma não ter provas materiais. Mas sabemos que os inquéritos foram encerrados ainda nas delegacias, com falhas e sem respostas para as famílias", afirma Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio.
Entre 12 e 20 de maio daquele ano, 493 pessoas foram mortas por armas de fogo, segundo levantamento do Conselho Nacional de Medicina. A organização criminosa é responsabilizada pela execução de 43 policiais militares e civis. Segundo a ONG Justiça Global, a onda de ataque do PCC encerrou-se em 15 de maio de 2006. A partir de então, houve um revide da polícia paulista. As investidas são apontadas como a maior crise da segurança pública estadual. Conforme documento elaborado pela ONG, 122 homicídios daquela época tinham indícios de execução e teriam sido praticado por policiais militares.
UMA VITÓRIA
A família de Débora é uma das que foram vítimas da truculência do Estado. Seu filho, o gari Edson Rogério dos Santos, foi assassinado em maio de2006. No mês passado, a primeira vitória do movimento do qual é coordenadora. A 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o Estado errou na reação. Com isso, Débora vai receber uma indenização de R$ 165,5 mil e pensão vitalícia de um terço do salário mínimo pela morte do filho. Em sua decisão, o desembargador Magalhães Coelho, relator do processo, afirmou que o homicídio decorreu da "conduta descontrolada da polícia". "Temos cautela, mas a decisão gera jurisprudência", acrescenta Débora. Ainda cabe recurso da decisão, em Brasília.
FEDERALIZAÇÃO
A entidade, criada por mães que tiveram filhos mortos por grupos de extermínio, luta pela federalização dos crimes, ou seja, a transferência dos processos da instância estadual para a esfera federal. A transferência de competência também é defendida pelo ouvidor nacional. Em maio passado, a Sedh pediu ao Palácio dos Bandeirantes a federalização dos crimes, mas não houve posicionamento. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Assembleia de São Paulo, também defende a transferência. "Caso a justiça brasileira não seja apta a julgar os casos, que cortes internacionais o faça", argumenta o deputado estadual Adriano Diogo (PT), que preside o colegiado.
Débora, mãe de um dos executados, quer transferência dos processos
"Foram atos cometidos contra pobres e negros"
ENTREVISTA
Domingos Dresch da Silveira
Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos
A inércia da Justiça Nacional sobre o caso faz com que a luta das Mães de Maio não chegue ao fim. Porém, um novo capítulo para aliviar a dor de quem viu seu filho partir pode se dar com a análise dos crimes pela Corte Interamericana. Esta é a defesa do ouvidor nacional.
Como a Ouvidoria Nacional analisa os Crimes de Maio?
O que já aparece de uma forma muito clara para a Secretaria de Direitos Humanos é que esta situação não foi pontual, corriqueira ou isolada. É uma prática sistemática e parte da omissão e ou ineficiência do Estado em apurar e punir.
E o que isso acarreta?
Isso configura uma grave violação dos Direitos Humanos. Além disso, uma fraqueza e omissão do estado em punir. E, como consequência destas situações, pedimos a federalização dos crimes. A ouvidoria defende que estes fatos sejam levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O que ocorreu é uma grave violação cometida e patrocinada por grupos de extermínio, que têm uma atuação extremamente seletiva: buscam pobre e negros. Portanto, é preciso que a Corte Interamericana possa conhecer estes fatos para verificar se há incompatibilidade com a convenção americana de Direitos Humanos.
Como se dará a ida do processo à essa Corte?
Quem promove a ida à Corte são as vítimas. Esta ação não é papel do Estado (representado pela União). Como ouvidor, tenho o dever de dizer a estas mulheres que enxergamos nos episódios de 2006, que se repetiram em 2010, e voltaram a acontecer e ocorrem sistematicamente, que não são situações quaisquer, não são banais. Elas caracterizam chacinas e uma violenta violação dos direitos humanos.
http://www.atribuna.com.br
EDUARDO BRANDÃO
DA REDAÇÃO
A ferida aberta ainda sangra, apesar dos anos. E o sentimento de perda só é superado pelo apelo por Justiça. Sem que se vislumbrem apurações do caso em solo brasileiro, uma corte internacional poderá analisar os assassinatos ocorridos em resposta à onda de ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2006, os chamados Crimes de Maio.
A possibilidade dos casos serem levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos foi defendida, ontem, em audiência pública para discutir a série de assassinatos no fatídico maio de 2006. A proposta teve no ouvidor nacional dos Direitos Humanos, Domingos Sávio Dresch da Silveira, seu principal porta-voz. "A Secretaria Nacional de Direitos Humanos (Sedh) da Presidência da República enxerga que estes episódios ocorrem sistematicamente na Baixada Santista", destaca Silveira. "Não são situações banais. Caracterizam chacinas e uma violação dos direitos humanos". A análise dos crimes na corte sediada em San José, capital da Costa Rica, é mais um passo de familiares das vítimas em busca de Justiça. Em instância estadual, os processos foram encerrados sem se apontar os culpados.
Familiares das vítimas alegam que faltam esclarecimentos. "O Ministério Público (do Estado) afirma não ter provas materiais. Mas sabemos que os inquéritos foram encerrados ainda nas delegacias, com falhas e sem respostas para as famílias", afirma Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio.
Entre 12 e 20 de maio daquele ano, 493 pessoas foram mortas por armas de fogo, segundo levantamento do Conselho Nacional de Medicina. A organização criminosa é responsabilizada pela execução de 43 policiais militares e civis. Segundo a ONG Justiça Global, a onda de ataque do PCC encerrou-se em 15 de maio de 2006. A partir de então, houve um revide da polícia paulista. As investidas são apontadas como a maior crise da segurança pública estadual. Conforme documento elaborado pela ONG, 122 homicídios daquela época tinham indícios de execução e teriam sido praticado por policiais militares.
UMA VITÓRIA
A família de Débora é uma das que foram vítimas da truculência do Estado. Seu filho, o gari Edson Rogério dos Santos, foi assassinado em maio de2006. No mês passado, a primeira vitória do movimento do qual é coordenadora. A 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o Estado errou na reação. Com isso, Débora vai receber uma indenização de R$ 165,5 mil e pensão vitalícia de um terço do salário mínimo pela morte do filho. Em sua decisão, o desembargador Magalhães Coelho, relator do processo, afirmou que o homicídio decorreu da "conduta descontrolada da polícia". "Temos cautela, mas a decisão gera jurisprudência", acrescenta Débora. Ainda cabe recurso da decisão, em Brasília.
FEDERALIZAÇÃO
A entidade, criada por mães que tiveram filhos mortos por grupos de extermínio, luta pela federalização dos crimes, ou seja, a transferência dos processos da instância estadual para a esfera federal. A transferência de competência também é defendida pelo ouvidor nacional. Em maio passado, a Sedh pediu ao Palácio dos Bandeirantes a federalização dos crimes, mas não houve posicionamento. A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Assembleia de São Paulo, também defende a transferência. "Caso a justiça brasileira não seja apta a julgar os casos, que cortes internacionais o faça", argumenta o deputado estadual Adriano Diogo (PT), que preside o colegiado.
Débora, mãe de um dos executados, quer transferência dos processos
"Foram atos cometidos contra pobres e negros"
ENTREVISTA
Domingos Dresch da Silveira
Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos
A inércia da Justiça Nacional sobre o caso faz com que a luta das Mães de Maio não chegue ao fim. Porém, um novo capítulo para aliviar a dor de quem viu seu filho partir pode se dar com a análise dos crimes pela Corte Interamericana. Esta é a defesa do ouvidor nacional.
Como a Ouvidoria Nacional analisa os Crimes de Maio?
O que já aparece de uma forma muito clara para a Secretaria de Direitos Humanos é que esta situação não foi pontual, corriqueira ou isolada. É uma prática sistemática e parte da omissão e ou ineficiência do Estado em apurar e punir.
E o que isso acarreta?
Isso configura uma grave violação dos Direitos Humanos. Além disso, uma fraqueza e omissão do estado em punir. E, como consequência destas situações, pedimos a federalização dos crimes. A ouvidoria defende que estes fatos sejam levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos. O que ocorreu é uma grave violação cometida e patrocinada por grupos de extermínio, que têm uma atuação extremamente seletiva: buscam pobre e negros. Portanto, é preciso que a Corte Interamericana possa conhecer estes fatos para verificar se há incompatibilidade com a convenção americana de Direitos Humanos.
Como se dará a ida do processo à essa Corte?
Quem promove a ida à Corte são as vítimas. Esta ação não é papel do Estado (representado pela União). Como ouvidor, tenho o dever de dizer a estas mulheres que enxergamos nos episódios de 2006, que se repetiram em 2010, e voltaram a acontecer e ocorrem sistematicamente, que não são situações quaisquer, não são banais. Elas caracterizam chacinas e uma violenta violação dos direitos humanos.
quinta-feira, novembro 17, 2011
Sexta-feira (18/11): Audiência Pública discutirá Crimes de Maio
http://www.camarasantos.sp.gov.br/noticia.asp?codigo=3653&COD_MENU=102
Evento terá participação de representantes da Assembléia Legislativa e da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República
Em parceria com o Movimento Mães de Maio, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais, da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), realiza na sexta-feira (dia 18 de novembro), audiência pública para discutir a série de crimes cometidos em maio de 2006. O evento acontecerá no auditório da Câmara de Santos, a partir 15 horas.
Atribuídos a membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e a policiais militares que integrariam grupos de extermínio, os atentados geraram saldo de mais de 500 mortes em todo o Estado. Os crimes até hoje não foram solucionados. Enquanto continuam impunes, familiares das vítimas reunidos no Movimento Mães de Maio não desistem de cobrar justiça. Eles lutam pela federalização e o desarquivamento dos casos.
Além de representantes da Alesp, a audiência pública terá também a participação da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República. Estará na Câmara de Santos representando a ministra Maria do Rosário, o ouvidor nacional, Domingos Sávio Drech.
Convidada para a audiência pública, Maria do Rosário informou que não poderá participar por ter assumido compromissos anteriormente.
Assessoria de Imprensa
Câmara Santos
tel: (13) 3211-4145
e-mail: imprensa@camarasantos.sp.gov.br
Evento terá participação de representantes da Assembléia Legislativa e da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República
Em parceria com o Movimento Mães de Maio, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais, da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), realiza na sexta-feira (dia 18 de novembro), audiência pública para discutir a série de crimes cometidos em maio de 2006. O evento acontecerá no auditório da Câmara de Santos, a partir 15 horas.
Atribuídos a membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e a policiais militares que integrariam grupos de extermínio, os atentados geraram saldo de mais de 500 mortes em todo o Estado. Os crimes até hoje não foram solucionados. Enquanto continuam impunes, familiares das vítimas reunidos no Movimento Mães de Maio não desistem de cobrar justiça. Eles lutam pela federalização e o desarquivamento dos casos.
Além de representantes da Alesp, a audiência pública terá também a participação da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República. Estará na Câmara de Santos representando a ministra Maria do Rosário, o ouvidor nacional, Domingos Sávio Drech.
Convidada para a audiência pública, Maria do Rosário informou que não poderá participar por ter assumido compromissos anteriormente.
Assessoria de Imprensa
Câmara Santos
tel: (13) 3211-4145
e-mail: imprensa@camarasantos.sp.gov.br
segunda-feira, novembro 14, 2011
Mães de Maio vão participar da Marcha da Consciência Negra, em Santos e em São Paulo
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VIII MARCHA DA CONSCIENCIA NEGRA Dia 20 de Novembro de 2011
No próximo 20 de novembro, um domingo, estaremos nas ruas de São Paulo realizando a VIII Marcha da Consciência Negra. Esta marcha vem sendo realizada desde o ano de 2003, no dia Nacional da Consciência Negra, data dedicada ao líder negro Zumbi dos Palmares.
Zumbi foi o principal líder do Quilombo dos Palmares, um símbolo da resistência e de luta contra a escravidão.
O Quilombo dos Palmares começou a ser construído no ano de 1597, nas terras da Serra da Barriga, no atual Estado de Alagoas. Em pouco tempo tornou-se uma referência da resistência e de luta de homens e mulheres contra a escravidão e em busca da liberdade.
Até que em 1695, quase cem anos depois do início de sua construção, uma expedição comandada por Domingos Jorge Velho destruiu o Quilombo e no dia 20 de Novembro assassinou Zumbi.
Em 1995, depois de 300 anos de seu assassinato, Zumbi dos Palmares foi oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro como herói nacional e o Quilombo de Palmares consagrado como um importante exemplo de luta e organização da História do Brasil.
No ano de 2006, o dia 20 de Novembro se tornou feriado na cidade de São Paulo, através da Lei 13.707/2004. Feriado que acontece em muitas cidades do nosso país. O movimento negro tem se empenhado para que esta data, o Dia Nacional da Consciência Negra, seja um Feriado Nacional.
O 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra
A militância negra da década de 70 é a voz da nascente data política para o Brasil, que fazia uma releitura histórica através da adoção de Zumbi dos Palmares como herói nacional. Estava em jogo a desconstrução do mito da liberdade concedida, substituído pela combatividade negra durante todo o período de escravização e pela denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil.
O Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971, no Rio Grande do Sul, realizou uma série de atividades públicas – durante o regime militar – para evocação de ícones negros como Luiz Gama e Luíza Mahin. A reverência a Zumbi dos Palmares, ato de maior relevância daquele ano, ocorrera no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, frequentado por negros e negras.
Em 1978, o 20 de Novembro foi elevado a Dia Nacional da Consciência Negra a partir da fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR).
VIII Marcha da Consciência Negra. Um dia de luta contra o genocídio da juventude negra.
O Movimento Negro contemporâneo, ao longo de sua trajetória de luta, conseguiu pautar alguns avanços voltados à população negra como: a lei Caó que criminaliza o racismo; a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial; o sistema de ingresso de estudantes negros em algumas universidades públicas estaduais e federais por meio de políticas afirmativas, a Lei 10.639/03, que institui no ensino básico a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos; a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), no ano de 2003, no primeiro ano de governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mesmo diante dessas conquistas, o racismo tem atingido a população negra em todos os aspectos de nossas vidas, as desigualdades sociais e raciais são visíveis e as condições de vida, na qual estamos inseridos, ainda são muito precárias.
Desta forma, dando prosseguimento à luta negra no combate ao racismo, neste ano de 2011 iremos realizar mais uma edição da Marcha da Consciência Negra que trás em seu tema central o genocídio da juventude negra que é praticado cotidianamente pelo estado, estamos nos posicionando contra este genocídio e pedindo um fim.
Historicamente a juventude negra vem sofrendo as consequências de um Estado que exerce determinadas ações que se configuram em práticas genocidas. Entendemos o genocídio da juventude negra como um conjunto de violações intercaladas que resultem em crescente número de mortes por ação ou omissão do Estado como: violência policial, racismo institucional, encarceramento em massa, violência contra a mulher negra e jovem etc.
Tudo isso combinados com ausência de políticas sociais que mantêm esta população totalmente à margem dos bens culturais e materiais que possibilitem à manutenção de uma vida digna. Desta forma restando apenas o desemprego, as drogas, a prisão, a fome, enfim, a expressão da manutenção da miséria social.
O combate ao racismo e a promoção da igualdade racial no Estado de São Paulo
No dia 11 de Maio de 1984, pelo decreto-lei 22184, do então Governador André Franco Montoro, foi criado o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, que inaugurou o reconhecimento oficial do Estado brasileiro, da existência do racismo em nosso país.
A partir daí, sucessivos governos praticamente nada tem realizado para inibir ou limitar as desigualdades sócio raciais no Estado de São Paulo.
Durante todos esses anos a qualidade de vida da população negra e pobre tem piorado. As politicas sociais desenvolvidas em outros Estados e pelo Governo Federal não encontram eco e não conseguimos visualizar nenhum programa para a promoção da igualdade racial sendo executado no Estado de São Paulo.
Diante disso, o Conselho da Comunidade Negra tornou-se uma estrutura simbólica, passando ao longo dos anos por um progressivo processo de esvaziamento político.
No atual governo do Estado de São Paulo, o de Geraldo Alckmin, foi criada em 2009 a Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena, no interior da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, com a atribuição de defender os direitos da população negra, indígena e quilombolas, mas o que notamos é que a mesma não tem poder e recursos orçamentários, materiais e humanos para executar as tímidas propostas de seus dirigentes.
O governo, desta forma, não implementa nas suas diversas secretarias, as políticas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial, expressando o retrocesso e o conservadorismo que emanam dessas elites que há muitos anos nos governam e tentam manter a qualquer custo seus privilégios.
Temos como exemplo disso, a Universidade de São Paulo, USP, que insiste em não aderir às políticas de cotas, os ataques contra o decreto 4487 que regula a Titulação dos Territórios quilombolas e a regularização das terras quilombolas no Estado de São Paulo e outros casos de racismo recorrentes no Estado e na cidade de São Paulo, em estabelecimentos bancários, comerciais e públicos, onde negros são submetidos à atitudes racistas e tratamentos desumanos e vexatórios.
O fortalecimento das nossas lutas.
No entanto, vemos que existe uma herança do trato escravocrata, o Estado e suas políticas de segurança pública mantêm uma atuação coercitiva, preconceituosa e violenta dirigida a população negra.
Desrespeito, agressões, espancamentos, torturas e assassinatos são práticas comuns destas instituições. Situações comuns nos mais de 350 anos de escravidão e comuns na pós-abolição. Comuns também nos períodos de ditaduras. Comuns em nossos dias.
Esta situação reafirma a urgência do fortalecimento das nossas lutas.
NOSSAS BANDEIRAS DE LUTAS:
• Contra o genocídio da juventude negra; • Pelo fim do “Registro de resistência seguida de morte” ou “Auto de resistência” para as execuções sumárias; • Tipificação dos casos de violência policial que resultem ou não em mortes, como crimes de torturas, conforme a lei 9455/97; • Instituição de uma CPI das Polícias de São Paulo, que vise desmantelar as milícias, apurar denúncias/crimes e punir responsáveis; • Combate ao racismo, à discriminação, preconceito, homofobia e machismo; • Pelo fim da violência doméstica e outras formas de violência direcionadas à mulher negra; • Garantia dos direitos das trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras; • Por reparações históricas para a população negra brasileira; • Pela manutenção do Decreto 4487, que regula a a titulação dos territórios quilombolas em âmbito nacional e a regularização das terras quilombolas no Estado de São Paulo; • Pelo fim da criminalização dos movimentos sociais; • 10% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados ao orçamento para a educação; • Implementação da lei 10639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em nossas escolas; • Cotas nas universidades públicas do Estado de São Paulo; • Combate às manifestações racistas, preconceitos e visões estereotipadas da população negra nos meios de comunicação; • Pelo fim do trabalho escravo; • Pela livre manifestação das religiões de matrizes africanas; • Pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salários; • Pelo feriado nacional e no estado de São Paulo, no dia 20 de Novembro, o dia Nacional da Consciência Negra.
AS HOMENAGENS E OS HOMENAGEADOS (AS) PELA VIII MARCHA DA CONSCIẼNCIA NEGRA:
Abdias do Nascimento
Candinho
Tata Pérsio
Os cinco anos da Lei Maria da Penha
Os cinco anos da criação do grupo “Mães de Maio”
As guerreiras: Estamira, Teresa de Benguela e Dina Di
Os dez anos do falecimento de Milton Santos
Os vinte anos do falecimento do Padre Batista
Os oitenta anos da fundação da Frente Negra Brasileira
Os cem anos do nascimento de Nélson Cavaquinho
Os trezentos anos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos
NO DIA 20 DE NOVEMBRO PARTICIPE DA NOSSA MARCHA, A VIII MARCHA DA CONSCIẼNCIA NEGRA
Concentração às 10 hs no Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo.
Informações no blog 20denovembrosp.blogspot.com ou através do e-mail marchadaconsciencianegra2011@gmail.com
VIII MARCHA DA CONSCIENCIA NEGRA Dia 20 de Novembro de 2011
No próximo 20 de novembro, um domingo, estaremos nas ruas de São Paulo realizando a VIII Marcha da Consciência Negra. Esta marcha vem sendo realizada desde o ano de 2003, no dia Nacional da Consciência Negra, data dedicada ao líder negro Zumbi dos Palmares.
Zumbi foi o principal líder do Quilombo dos Palmares, um símbolo da resistência e de luta contra a escravidão.
O Quilombo dos Palmares começou a ser construído no ano de 1597, nas terras da Serra da Barriga, no atual Estado de Alagoas. Em pouco tempo tornou-se uma referência da resistência e de luta de homens e mulheres contra a escravidão e em busca da liberdade.
Até que em 1695, quase cem anos depois do início de sua construção, uma expedição comandada por Domingos Jorge Velho destruiu o Quilombo e no dia 20 de Novembro assassinou Zumbi.
Em 1995, depois de 300 anos de seu assassinato, Zumbi dos Palmares foi oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro como herói nacional e o Quilombo de Palmares consagrado como um importante exemplo de luta e organização da História do Brasil.
No ano de 2006, o dia 20 de Novembro se tornou feriado na cidade de São Paulo, através da Lei 13.707/2004. Feriado que acontece em muitas cidades do nosso país. O movimento negro tem se empenhado para que esta data, o Dia Nacional da Consciência Negra, seja um Feriado Nacional.
O 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra
A militância negra da década de 70 é a voz da nascente data política para o Brasil, que fazia uma releitura histórica através da adoção de Zumbi dos Palmares como herói nacional. Estava em jogo a desconstrução do mito da liberdade concedida, substituído pela combatividade negra durante todo o período de escravização e pela denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil.
O Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971, no Rio Grande do Sul, realizou uma série de atividades públicas – durante o regime militar – para evocação de ícones negros como Luiz Gama e Luíza Mahin. A reverência a Zumbi dos Palmares, ato de maior relevância daquele ano, ocorrera no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, frequentado por negros e negras.
Em 1978, o 20 de Novembro foi elevado a Dia Nacional da Consciência Negra a partir da fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR).
VIII Marcha da Consciência Negra. Um dia de luta contra o genocídio da juventude negra.
O Movimento Negro contemporâneo, ao longo de sua trajetória de luta, conseguiu pautar alguns avanços voltados à população negra como: a lei Caó que criminaliza o racismo; a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial; o sistema de ingresso de estudantes negros em algumas universidades públicas estaduais e federais por meio de políticas afirmativas, a Lei 10.639/03, que institui no ensino básico a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos africanos; a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), no ano de 2003, no primeiro ano de governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mesmo diante dessas conquistas, o racismo tem atingido a população negra em todos os aspectos de nossas vidas, as desigualdades sociais e raciais são visíveis e as condições de vida, na qual estamos inseridos, ainda são muito precárias.
Desta forma, dando prosseguimento à luta negra no combate ao racismo, neste ano de 2011 iremos realizar mais uma edição da Marcha da Consciência Negra que trás em seu tema central o genocídio da juventude negra que é praticado cotidianamente pelo estado, estamos nos posicionando contra este genocídio e pedindo um fim.
Historicamente a juventude negra vem sofrendo as consequências de um Estado que exerce determinadas ações que se configuram em práticas genocidas. Entendemos o genocídio da juventude negra como um conjunto de violações intercaladas que resultem em crescente número de mortes por ação ou omissão do Estado como: violência policial, racismo institucional, encarceramento em massa, violência contra a mulher negra e jovem etc.
Tudo isso combinados com ausência de políticas sociais que mantêm esta população totalmente à margem dos bens culturais e materiais que possibilitem à manutenção de uma vida digna. Desta forma restando apenas o desemprego, as drogas, a prisão, a fome, enfim, a expressão da manutenção da miséria social.
O combate ao racismo e a promoção da igualdade racial no Estado de São Paulo
No dia 11 de Maio de 1984, pelo decreto-lei 22184, do então Governador André Franco Montoro, foi criado o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, que inaugurou o reconhecimento oficial do Estado brasileiro, da existência do racismo em nosso país.
A partir daí, sucessivos governos praticamente nada tem realizado para inibir ou limitar as desigualdades sócio raciais no Estado de São Paulo.
Durante todos esses anos a qualidade de vida da população negra e pobre tem piorado. As politicas sociais desenvolvidas em outros Estados e pelo Governo Federal não encontram eco e não conseguimos visualizar nenhum programa para a promoção da igualdade racial sendo executado no Estado de São Paulo.
Diante disso, o Conselho da Comunidade Negra tornou-se uma estrutura simbólica, passando ao longo dos anos por um progressivo processo de esvaziamento político.
No atual governo do Estado de São Paulo, o de Geraldo Alckmin, foi criada em 2009 a Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena, no interior da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, com a atribuição de defender os direitos da população negra, indígena e quilombolas, mas o que notamos é que a mesma não tem poder e recursos orçamentários, materiais e humanos para executar as tímidas propostas de seus dirigentes.
O governo, desta forma, não implementa nas suas diversas secretarias, as políticas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial, expressando o retrocesso e o conservadorismo que emanam dessas elites que há muitos anos nos governam e tentam manter a qualquer custo seus privilégios.
Temos como exemplo disso, a Universidade de São Paulo, USP, que insiste em não aderir às políticas de cotas, os ataques contra o decreto 4487 que regula a Titulação dos Territórios quilombolas e a regularização das terras quilombolas no Estado de São Paulo e outros casos de racismo recorrentes no Estado e na cidade de São Paulo, em estabelecimentos bancários, comerciais e públicos, onde negros são submetidos à atitudes racistas e tratamentos desumanos e vexatórios.
O fortalecimento das nossas lutas.
No entanto, vemos que existe uma herança do trato escravocrata, o Estado e suas políticas de segurança pública mantêm uma atuação coercitiva, preconceituosa e violenta dirigida a população negra.
Desrespeito, agressões, espancamentos, torturas e assassinatos são práticas comuns destas instituições. Situações comuns nos mais de 350 anos de escravidão e comuns na pós-abolição. Comuns também nos períodos de ditaduras. Comuns em nossos dias.
Esta situação reafirma a urgência do fortalecimento das nossas lutas.
NOSSAS BANDEIRAS DE LUTAS:
• Contra o genocídio da juventude negra; • Pelo fim do “Registro de resistência seguida de morte” ou “Auto de resistência” para as execuções sumárias; • Tipificação dos casos de violência policial que resultem ou não em mortes, como crimes de torturas, conforme a lei 9455/97; • Instituição de uma CPI das Polícias de São Paulo, que vise desmantelar as milícias, apurar denúncias/crimes e punir responsáveis; • Combate ao racismo, à discriminação, preconceito, homofobia e machismo; • Pelo fim da violência doméstica e outras formas de violência direcionadas à mulher negra; • Garantia dos direitos das trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras; • Por reparações históricas para a população negra brasileira; • Pela manutenção do Decreto 4487, que regula a a titulação dos territórios quilombolas em âmbito nacional e a regularização das terras quilombolas no Estado de São Paulo; • Pelo fim da criminalização dos movimentos sociais; • 10% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados ao orçamento para a educação; • Implementação da lei 10639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em nossas escolas; • Cotas nas universidades públicas do Estado de São Paulo; • Combate às manifestações racistas, preconceitos e visões estereotipadas da população negra nos meios de comunicação; • Pelo fim do trabalho escravo; • Pela livre manifestação das religiões de matrizes africanas; • Pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salários; • Pelo feriado nacional e no estado de São Paulo, no dia 20 de Novembro, o dia Nacional da Consciência Negra.
AS HOMENAGENS E OS HOMENAGEADOS (AS) PELA VIII MARCHA DA CONSCIẼNCIA NEGRA:
Abdias do Nascimento
Candinho
Tata Pérsio
Os cinco anos da Lei Maria da Penha
Os cinco anos da criação do grupo “Mães de Maio”
As guerreiras: Estamira, Teresa de Benguela e Dina Di
Os dez anos do falecimento de Milton Santos
Os vinte anos do falecimento do Padre Batista
Os oitenta anos da fundação da Frente Negra Brasileira
Os cem anos do nascimento de Nélson Cavaquinho
Os trezentos anos da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos
NO DIA 20 DE NOVEMBRO PARTICIPE DA NOSSA MARCHA, A VIII MARCHA DA CONSCIẼNCIA NEGRA
Concentração às 10 hs no Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo.
Informações no blog 20denovembrosp.blogspot.com ou através do e-mail marchadaconsciencianegra2011@gmail.com
Estamos juntas com as comunidades da Rocinha e do Vidigal
.
Nós das Mães de Maio nos somamos às organizações abaixo preocupadas com a ocupação policial que está sendo feita em mais duas comunidades do Rio de Janeiro: as favelas da Rocinha e do Vidigal.
Daqui de São Paulo seguiremos sempre juntas à Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência e aos demais movimentos que correm cotidianamente pela vida e felicidade das trabalhadoras e trabalhadores que vivem nas comunidades.
Estaremos sempre junt@s!
Mães de Maio da Democracia Brasileira
Mais informações: http://www.redecontraviolencia.org
12 DE NOVEMBRO DE 2011
Nota Pública sobre a ocupação policial da Rocinha
Nós, organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro, manifestamos a todos nossa preocupação com a situação que a Rocinha enfrenta neste momento. Exigimos do Governo do Estado e do Governo Federal que garantam que a ocupação policial de amanhã seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias.
Há cerca de um ano, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. Ainda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão.
Acreditamos que todas as favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro têm o direito a uma vida com segurança plena garantida pelo Estado. No entanto, a presença estatal, obviamente, deve ser feita com o respeito absoluto a todos os direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos.
Estaremos atentos e não vamos tolerar:
- invasão da casa de moradores sem mandado judicial;
- abordagem policial truculenta;
- agressões, espancamentos e execuções sumárias;
- prisões arbitrárias, feitas sem qualquer prova;
- extorsão e roubo feita por grupos de policiais criminosos.
Esperamos ainda que os meios de imprensa cumpram seu dever de fiscalização da atividade policial e façam uma cobertura que relate com fidelidade e equilíbrio o momento delicado pelo qual as famílias que moram na Rocinha passam, não omitindo as denúncias dos moradores nem baseando-se exclusivamente na versão das autoridades policiais, como infelizmente a maior parte dos veículos de comunicação procedeu por ocasião da ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.
Lembramos, por fim, que não acreditamos que a paz seja alcançada através da violência. Exigimos que a cultura da favela seja respeitada e que os direitos a educação, saúde, moradia, entre outros, sejam encarados como prioridade pelos governos.
As entidades e organizações abaixo assinadas estão atentas e comprometem-se a receber e dar ampla divulgação a todas as denúncias comprovadas, de quaisquer violações de direitos que venham a ser cometidas na planejada ocupação.
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2011.
Apafunk
Visão da Favela Brasil
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos – DDH
Movimento Direito para quem?
Justiça Global
CDDH Petrópolis
Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
Jornal O Cidadão – Maré
TV Tagarela – Rocinha
Revista Vírus Planetário
Movimento Popular de Favelas
Rede Nacional de Jornalistas Populares – Renajorp
Mães de Maio
Nós das Mães de Maio nos somamos às organizações abaixo preocupadas com a ocupação policial que está sendo feita em mais duas comunidades do Rio de Janeiro: as favelas da Rocinha e do Vidigal.
Daqui de São Paulo seguiremos sempre juntas à Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência e aos demais movimentos que correm cotidianamente pela vida e felicidade das trabalhadoras e trabalhadores que vivem nas comunidades.
Estaremos sempre junt@s!
Mães de Maio da Democracia Brasileira
Mais informações: http://www.redecontraviolencia.org
12 DE NOVEMBRO DE 2011
Nota Pública sobre a ocupação policial da Rocinha
Nós, organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro, manifestamos a todos nossa preocupação com a situação que a Rocinha enfrenta neste momento. Exigimos do Governo do Estado e do Governo Federal que garantam que a ocupação policial de amanhã seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias.
Há cerca de um ano, durante a ação da polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. Ainda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão.
Acreditamos que todas as favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro têm o direito a uma vida com segurança plena garantida pelo Estado. No entanto, a presença estatal, obviamente, deve ser feita com o respeito absoluto a todos os direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos.
Estaremos atentos e não vamos tolerar:
- invasão da casa de moradores sem mandado judicial;
- abordagem policial truculenta;
- agressões, espancamentos e execuções sumárias;
- prisões arbitrárias, feitas sem qualquer prova;
- extorsão e roubo feita por grupos de policiais criminosos.
Esperamos ainda que os meios de imprensa cumpram seu dever de fiscalização da atividade policial e façam uma cobertura que relate com fidelidade e equilíbrio o momento delicado pelo qual as famílias que moram na Rocinha passam, não omitindo as denúncias dos moradores nem baseando-se exclusivamente na versão das autoridades policiais, como infelizmente a maior parte dos veículos de comunicação procedeu por ocasião da ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.
Lembramos, por fim, que não acreditamos que a paz seja alcançada através da violência. Exigimos que a cultura da favela seja respeitada e que os direitos a educação, saúde, moradia, entre outros, sejam encarados como prioridade pelos governos.
As entidades e organizações abaixo assinadas estão atentas e comprometem-se a receber e dar ampla divulgação a todas as denúncias comprovadas, de quaisquer violações de direitos que venham a ser cometidas na planejada ocupação.
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2011.
Apafunk
Visão da Favela Brasil
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos – DDH
Movimento Direito para quem?
Justiça Global
CDDH Petrópolis
Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
Jornal O Cidadão – Maré
TV Tagarela – Rocinha
Revista Vírus Planetário
Movimento Popular de Favelas
Rede Nacional de Jornalistas Populares – Renajorp
Mães de Maio
quinta-feira, novembro 10, 2011
quarta-feira, novembro 09, 2011
Reação do Estado a ataques de 2006 em SP foi 'violenta' e 'ilegal', diz TJ Desembargador considera que houve ações de 'grupos de extermínio' (G1)
.
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/reacao-do-estado-ataques-de-2006-em-sp-foi-violenta-e-ilegal-diz-tj.html
TJ determina pagamento de indenização a mãe de jovem morto no período.
Raphael Prado
Do G1 SP
Débora Silva com a foto do filho, morto em 2006. A Justiça decidiu que o Estado pague a ela uma indenização de R$ 165,5 mil e pensão mensal (Foto: Caroline Hasselmann/G1)
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou, em decisão a favor de uma mãe que teve o filho assassinado em maio de 2006, que a resposta do Estado aos ataques sofridos por agentes públicos naquela ocasião foi exagerada. "O filho da autora foi vitimado por arma de fogo, na ocasião em que o Estado viu-se encurralado pela ação agressiva de facção criminosa, a qual respondeu com desarrazoada reação", diz a decisão do desembargador Magalhães Coelho, da 7ª Câmara de Direito Público do TJ. "Cessados os ataques alguns dias após (...), a agora violenta, desarrazoada e indiscriminada e, portanto, ilegal reação do Estado não tardou", afirma a sentença.
saiba mais
Mãe de gari morto em maio de 2006 em SP cobra investigação federal
'Queria que Deus fizesse justiça', diz mãe que perdeu filho em 2006
'A lembrança não se apaga', diz irmã de PM morto em ataque em 2006
Cinco anos após ataques em SP, supostos chefes não foram julgados
Entre 12 e 21 de maio de 2006, de acordo com dados do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foram registrados 564 homicídios por arma de fogo em todo o estado de São Paulo. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública estadual, em oito dias, a Polícia Militar foi responsável pela morte de 108 pessoas.
"Muitas dessas mortes decorreram da reação defensiva legítima de agentes públicos, mas outras tantas apontam para atuação de grupos de extermínio e de policiais absolutamente fora de controle e comando, com nítido caráter de represália indiscriminada, notadamente, em face da população mais pobre e que habita as periferias das grandes cidades paulistas", afirma a decisão de Magalhães Coelho.
Para os desembargadores que integram a 7ª Câmara de Direito Público, o Estado foi responsável pela morte do gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, filho de Débora Maria Silva, ocorrido em Santos, na Baixada Santista, em maio de 2006. "O Estado criou uma situação de extraordinário risco, seja por sua omissão, seja por sua ação desconexa, violenta e indiscriminada (...) sobre os pobres e desvalidos".
Indenização
O Tribunal de Justiça condenou a Fazenda Pública do Estado de São Paulo ao pagamento de R$ 165,5 mil a Débora, a título de danos morais. A decisão também determina o pagamento das despesas decorrentes da morte de Santos, assim como bens subtraídos ou danificados e uma pensão mensal desde a data do assassinato, no valor de um terço de salário mínimo. A Fazenda estadual ainda foi condenada ao pagamento das custas do processo, fixadas em R$ 10 mil.
Procurado pela reportagem, o governo de São Paulo não informou na noite desta sexta-feira (4) se irá recorrer da sentença nem se irá comentar as considerações feitas pelo desembargador na decisão.
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/reacao-do-estado-ataques-de-2006-em-sp-foi-violenta-e-ilegal-diz-tj.html
TJ determina pagamento de indenização a mãe de jovem morto no período.
Raphael Prado
Do G1 SP
Débora Silva com a foto do filho, morto em 2006. A Justiça decidiu que o Estado pague a ela uma indenização de R$ 165,5 mil e pensão mensal (Foto: Caroline Hasselmann/G1)
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou, em decisão a favor de uma mãe que teve o filho assassinado em maio de 2006, que a resposta do Estado aos ataques sofridos por agentes públicos naquela ocasião foi exagerada. "O filho da autora foi vitimado por arma de fogo, na ocasião em que o Estado viu-se encurralado pela ação agressiva de facção criminosa, a qual respondeu com desarrazoada reação", diz a decisão do desembargador Magalhães Coelho, da 7ª Câmara de Direito Público do TJ. "Cessados os ataques alguns dias após (...), a agora violenta, desarrazoada e indiscriminada e, portanto, ilegal reação do Estado não tardou", afirma a sentença.
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'A lembrança não se apaga', diz irmã de PM morto em ataque em 2006
Cinco anos após ataques em SP, supostos chefes não foram julgados
Entre 12 e 21 de maio de 2006, de acordo com dados do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foram registrados 564 homicídios por arma de fogo em todo o estado de São Paulo. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública estadual, em oito dias, a Polícia Militar foi responsável pela morte de 108 pessoas.
"Muitas dessas mortes decorreram da reação defensiva legítima de agentes públicos, mas outras tantas apontam para atuação de grupos de extermínio e de policiais absolutamente fora de controle e comando, com nítido caráter de represália indiscriminada, notadamente, em face da população mais pobre e que habita as periferias das grandes cidades paulistas", afirma a decisão de Magalhães Coelho.
Para os desembargadores que integram a 7ª Câmara de Direito Público, o Estado foi responsável pela morte do gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, filho de Débora Maria Silva, ocorrido em Santos, na Baixada Santista, em maio de 2006. "O Estado criou uma situação de extraordinário risco, seja por sua omissão, seja por sua ação desconexa, violenta e indiscriminada (...) sobre os pobres e desvalidos".
Indenização
O Tribunal de Justiça condenou a Fazenda Pública do Estado de São Paulo ao pagamento de R$ 165,5 mil a Débora, a título de danos morais. A decisão também determina o pagamento das despesas decorrentes da morte de Santos, assim como bens subtraídos ou danificados e uma pensão mensal desde a data do assassinato, no valor de um terço de salário mínimo. A Fazenda estadual ainda foi condenada ao pagamento das custas do processo, fixadas em R$ 10 mil.
Procurado pela reportagem, o governo de São Paulo não informou na noite desta sexta-feira (4) se irá recorrer da sentença nem se irá comentar as considerações feitas pelo desembargador na decisão.
Justiça manda governo pagar R$ 165,5 mil à mãe que teve filho morto em ataques de maio de 2006 (R7)
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http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/justica-manda-governo-de-sp-pagar-r-165-5-mil-a-mae-que-teve-filho-morto-em-ataques-de-maio-de-2006-20111107.html
Gari Edson Rogério Silva dos Santos foi assassinado a tiros no litoral paulista
Do R7
Mães de Maio fazem protesto em setembro de 2009 espalhando cartazes com fotos de vítimas do ataque da facção criminosa à cidade de São Paulo
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou que o governo pague indenização para uma mãe que teve o filho assassinado nos ataques de maio de 2006. O gari Edson Rogério Silva dos Santos tinha 29 anos na época do crime e foi morto a tiros em Santos, no litoral paulista, após a onda de ataques contra agentes de segurança que ocorreu à época.
A decisão da Justiça determina o pagamento de uma indenização por danos morais de R$ 165,5 mil, além de indenização por danos materiais no valor de uma pensão mensal a partir da data da morte, no valor de um terço de um salário mínimo, e de despesas ocasionadas pelo falecimento. Cabe recurso aos tribunais superiores em Brasília.
A decisão foi tomada por unanimidade pela 7ª Câmara de Direito Público, após voto proferido pelo Desembargador relator Magalhães Coelho. A ação foi proposta pelo Defensor Público Antônio Maffezoli, que atua em São Vicente. Para ele, “trata-se de um passo importante para reconhecer a responsabilidade estatal por mortes promovidas por grupos de extermínio em Santos, em maio de 2006”. O Defensor aguarda o julgamento definitivo de outras sete ações semelhantes.
- Se necessário, podemos recorrer ao sistema internacional de direitos humanos.
A decisão da Justiça afirma que “a morte do filho da autora teria ocorrido entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, justamente o período no qual se deu uma série de atentados promovidos por facção criminosa em represália à ação do Estado, que teria transferido e colocado em regime disciplinar diferenciado alguns de seus líderes. Cessado os ataques alguns dias após (...) a agora violenta, desarrazoada e indiscriminada e, portanto ilegal reação do Estado não tardou”.
Confira também
Movimento "Mães de Maio" faz protesto
Mães de Maio reclamam de impunidade
"Mães de Maio" veem elo entre ataques
Em quatro anos, só dez são condenados
Defensor quer responsabilizar governo de SP
Para o TJ-SP, “muitas dessas mortes decorreram da reação defensiva legítima e agentes públicos, mas outras tantas apontam para atuação de grupos de extermínio e de policiais absolutamente fora de controle e comando, com nítido caráter de represália indiscriminada, notadamente, em face da população mais pobre e que habita as periferias das grandes cidades paulistas”.
A mãe de Edson, Débora Silva, é uma das coordenadoras do movimento Mães de Maio, que reúne familiares de jovens mortos após os ataques da época.
http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/justica-manda-governo-de-sp-pagar-r-165-5-mil-a-mae-que-teve-filho-morto-em-ataques-de-maio-de-2006-20111107.html
Gari Edson Rogério Silva dos Santos foi assassinado a tiros no litoral paulista
Do R7
Mães de Maio fazem protesto em setembro de 2009 espalhando cartazes com fotos de vítimas do ataque da facção criminosa à cidade de São Paulo
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou que o governo pague indenização para uma mãe que teve o filho assassinado nos ataques de maio de 2006. O gari Edson Rogério Silva dos Santos tinha 29 anos na época do crime e foi morto a tiros em Santos, no litoral paulista, após a onda de ataques contra agentes de segurança que ocorreu à época.
A decisão da Justiça determina o pagamento de uma indenização por danos morais de R$ 165,5 mil, além de indenização por danos materiais no valor de uma pensão mensal a partir da data da morte, no valor de um terço de um salário mínimo, e de despesas ocasionadas pelo falecimento. Cabe recurso aos tribunais superiores em Brasília.
A decisão foi tomada por unanimidade pela 7ª Câmara de Direito Público, após voto proferido pelo Desembargador relator Magalhães Coelho. A ação foi proposta pelo Defensor Público Antônio Maffezoli, que atua em São Vicente. Para ele, “trata-se de um passo importante para reconhecer a responsabilidade estatal por mortes promovidas por grupos de extermínio em Santos, em maio de 2006”. O Defensor aguarda o julgamento definitivo de outras sete ações semelhantes.
- Se necessário, podemos recorrer ao sistema internacional de direitos humanos.
A decisão da Justiça afirma que “a morte do filho da autora teria ocorrido entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, justamente o período no qual se deu uma série de atentados promovidos por facção criminosa em represália à ação do Estado, que teria transferido e colocado em regime disciplinar diferenciado alguns de seus líderes. Cessado os ataques alguns dias após (...) a agora violenta, desarrazoada e indiscriminada e, portanto ilegal reação do Estado não tardou”.
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Para o TJ-SP, “muitas dessas mortes decorreram da reação defensiva legítima e agentes públicos, mas outras tantas apontam para atuação de grupos de extermínio e de policiais absolutamente fora de controle e comando, com nítido caráter de represália indiscriminada, notadamente, em face da população mais pobre e que habita as periferias das grandes cidades paulistas”.
A mãe de Edson, Débora Silva, é uma das coordenadoras do movimento Mães de Maio, que reúne familiares de jovens mortos após os ataques da época.
sábado, novembro 05, 2011
Mestrado denuncia massacre de maio de 2006 em São Paulo (PUC EM MOVIMENTO)
APROPUC-SP 31.10.11
Francilene Gomes Fernandes defendeu no dia 21/10 sua tese de mestrado em Serviço Social intitulada "Barbárie e Direitos Humanos: execuções sumárias e desaparecimentos forçados em maio de 2006". Sob a orientação da professora Maria Lúcia Barroco, ela pesquisou as mortes promovidas pela polícia após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em maio de 2006.
Estima-se que entre 493 e 563 pessoas morreram entre 12 e 21 de maio de 2006. A maioria das mortes foi efetuada por policiais militares, e há diversos indícios de execuções sumárias mascaradas nos Boletins de Ocorrência (BO), definidas como resistência seguida de morte.
Durante a defesa de tese, Francilene afirmou que "discutir as mortes de maio de 2006 é debater a barbárie a que estamos expostos pelo capital", e que "a violência do Estado é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo". A estudante lembrou que, entre cem países, o Brasil está em sexta posição no ranking que contabiliza o número de jovens mortos com a faixa etária entre 15 e 24 anos.
Ela defendeu ainda que "a era do capital fetiche conduz à banalização do ser humano, que passa a ser visto como 'coisa', e por isso pode ser eliminado quando apresenta problemas".
Necessidade da violência
Para Francilene, "a violência policial contribui para a reprodução do modo de produção capitalista, que para ser exitoso, requer o controle, e a eliminação das manifestações que possam colocar em risco a ordem estabelecida.
Francilene se interessou em pesquisar o tema, pois seu irmão, Paulo Alexandre, foi uma das vítimas dos crimes de maio de 2006. Ele foi morto pela Rota no dia 16 de maio de 2006. Desde então ela milita pelo Tribunal Popular e pelas Mães de Maio, grupo que reuni familiares de outros mortos e desaparecidos em maio de 2006.
Francilene Gomes Fernandes defendeu no dia 21/10 sua tese de mestrado em Serviço Social intitulada "Barbárie e Direitos Humanos: execuções sumárias e desaparecimentos forçados em maio de 2006". Sob a orientação da professora Maria Lúcia Barroco, ela pesquisou as mortes promovidas pela polícia após os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em maio de 2006.
Estima-se que entre 493 e 563 pessoas morreram entre 12 e 21 de maio de 2006. A maioria das mortes foi efetuada por policiais militares, e há diversos indícios de execuções sumárias mascaradas nos Boletins de Ocorrência (BO), definidas como resistência seguida de morte.
Durante a defesa de tese, Francilene afirmou que "discutir as mortes de maio de 2006 é debater a barbárie a que estamos expostos pelo capital", e que "a violência do Estado é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo". A estudante lembrou que, entre cem países, o Brasil está em sexta posição no ranking que contabiliza o número de jovens mortos com a faixa etária entre 15 e 24 anos.
Ela defendeu ainda que "a era do capital fetiche conduz à banalização do ser humano, que passa a ser visto como 'coisa', e por isso pode ser eliminado quando apresenta problemas".
Necessidade da violência
Para Francilene, "a violência policial contribui para a reprodução do modo de produção capitalista, que para ser exitoso, requer o controle, e a eliminação das manifestações que possam colocar em risco a ordem estabelecida.
Francilene se interessou em pesquisar o tema, pois seu irmão, Paulo Alexandre, foi uma das vítimas dos crimes de maio de 2006. Ele foi morto pela Rota no dia 16 de maio de 2006. Desde então ela milita pelo Tribunal Popular e pelas Mães de Maio, grupo que reuni familiares de outros mortos e desaparecidos em maio de 2006.
Mães de maio: uma ferida aberta na democracia brasileira
por Bruno Shimizu
Defensor Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Criminologia pela USP
Mães de maio: uma ferida aberta na democracia brasileira. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 19, n. 227, p. 15-16, out., 2011.
Em 17 de maio de 2006, a direção da escola onde o jovem Mateus estudava recebeu uma ligação ordenando “toque de recolher”. Assim, Mateus e seu amigo Ricardo foram dispensados das aulas sem qualquer explicação, tendo se dirigido a uma pizzaria próxima. Lá, os dois foram alvejados e mortos por indivíduos encapuzados sobre motocicletas: milicianos ligados à Polícia Militar. A morte de Mateus é contada por Vera, sua mãe, na publicação Do luto à luta, produzida de forma independente pelas Mães de Maio da Democracia Brasileira por ocasião dos cinco anos dos massacres perpetrados por policiais e milicianos em maio de 2006 no Estado de São Paulo.(1)
Os “crimes de maio” foram assassinatos e desaparecimentos forçados praticados por grupos ligados à polícia como resposta aos ataques atribuídos à facção Primeiro Comando da Capital no Estado de São Paulo, ocorridos em 2006. Os atentados atribuídos à facção incluíram disparos de arma de fogo e arremesso de explosivos contra estações policiais, agências bancárias e edifícios públicos, queima de ônibus e assassinatos de agentes de segurança.(2) Em represália, grupos de extermínio ligados à polícia promoveram a maior chacina de que se tem notícia na história brasileira, consistente na execução sumária de centenas de pessoas em zonas periféricas, sendo que a grande maioria das vítimas sequer possuía qualquer relação com a facção responsável pelos ataques.
As Mães de Maio da Democracia Brasileira, por seu turno, são uma organização de pessoas que tiveram parentes próximos mortos por agentes do Estado ou por grupos de extermínio ligados a esses agentes. Sua criação deu-se pela mobilização das mães de jovens mortos pela polícia em maio de 2006, e sua luta consiste no combate à letalidade policial e à conivência das autoridades do sistema de justiça.(3)
A morte de Mateus, conforme dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, insere-se nas 493 mortes por arma de fogo que ocorreram no Estado entre 12 e 20 de maio de 2006.(4) De todas essas mortes, há denúncias da participação de agentes policiais em, pelo menos, 388 casos, conforme dados divulgados pelo Observatório de Violência Policial.(5) A publicação da lavra das Mães de Maio, de certa forma, tenta impedir que esses assassinatos se tornem mera estatística esquecida.
O relatório “São Paulo sob achaque”, elaborado pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard em parceria com a ONG Justiça Global, identificou, por meio de entrevistas com autoridades e análise de inquéritos de maio de 2006, um universo de 122 mortes em relação às quais há indícios da participação de agentes policiais, concentrados na capital paulista e na baixada santista.(6) O relatório chegou à conclusão de haver provas concretas da ação de grupos de extermínio ligados à polícia em 71 desses casos.(7) A principal prova da atuação orquestrada de grupos de extermínio diz respeito ao modus operandi empregado, que envolve, inevitavelmente, um “toque de recolher” prévio, a escolha de “alvos” (pessoas com antecedentes criminais ou com tatuagens) e o ataque de executores encapuzados, normalmente sobre motocicletas. Em todos esses casos, assim que ocorreram os assassinatos, viaturas oficiais da PM surgiram imediatamente, fazendo desaparecerem os vestígios da execução e alterando a cena do crime, sob o pretexto de prestar socorro às vítimas.(8)
O dado mais alarmante trazido pelo relatório, contudo, aponta para o fato de que as instituições pretensamente democráticas responsáveis pelo controle externo da atividade policial e pela salvaguarda dos direitos humanos são lenientes, quando não coniventes, com o massacre das classes indesejadas.
Todos os inquéritos relativos aos casos em que o relatório constatou a presença da atividade de grupos de extermínio ocorridos em maio de 2006 foram arquivados, a pedido do Ministério Público, sem maiores investigações. O relatório de Harvard aponta o Judiciário, por ter concordado com todos os arquivamentos, e o Ministério Público como autores de falhas cruciais. Sobre o papel do Ministério Público, consta do relatório: “O Ministério Público Estadual também falhou em: 1) não investigar os Crimes de Maio de forma sistemática e rigorosa, 2) não exigir melhores investigações nos inquéritos policiais (...), e 3) não manter sua preciosa isenção no momento da crise, sinalizando à Polícia Militar que eles, promotores, já teriam conclu&iacu te;do que não houve um revide policial orquestrado após os ataques”.(9) Essa última falha apontada pelo relatório é referência, principalmente, a um ofício assinado por dezenas de promotores atuantes na área criminal, enviado, em 25 de maio de 2006, ao Comando Geral da PM. Neste ofício, os subscritores reconhecem “a eficiência da resposta da Polícia Militar, que se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pública violada, defendendo intransigentemente a população de nosso Estado”.
Acrescentam que estão certos de que “eventuais excessos praticados individualmente serão objeto de apuração devida pelos órgãos responsáveis”.(10) O relatório conclui que atos como esse ofício parecem “chancelar a ação violadora do Estado”,(11) na medida em que os subscritores recusam-se, de antemão, a aceitar a possibilidade de um problema estrutural, que extrapole os “excessos praticados individualmente”, no que foi a maior chacina de que se tem notícia na história do Brasil.
Com base neste contexto, as Mães de Maio – enxergando que o assassinato de seus filhos desarmados foi entendido como ato de heroísmo pelos órgãos responsáveis pela persecução penal – têm como objetivo imediato o desarquivamento e a federalização dos crimes de maio.(12) Com efeito, o relatório reconheceu, com base em dados documentados, a postura tendenciosa dos órgãos estaduais. Tendo havido grave violação de direitos humanos, o art. 109, § 5º, da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 45/04, prevê o deslocamento da competência para a Justiça Federal, o que se justifica ao constatarmos que a postura das autoridades estaduais pode levar à responsabilização internacional de toda a Federação brasileira.
Os crimes de maio e a postura das autoridades perante a grave violação de direitos humanos afloram como uma prova inequívoca de que ainda não existe democracia no Brasil, ao menos do ponto de vista dos direitos civis, estando os próprios órgãos responsáveis pela defesa dos direitos humanos embebidos das práticas institucionais típicas do estado ditatorial. A esta democracia meramente nominal, que se instituiu sem a promoção de uma cultura de defesa dos direitos individuais, Caldeira dá o nome de “democracia disjuntiva”. Segundo a autora, a democracia brasileira é disjuntiva porque, “embora o Brasil seja uma democracia política e embora os direitos sociais sejam razoavelmente legitimados, os aspectos civis da cidadania são continuamente violados”.(13).
O Brasil é formalmente uma democracia, mas habitada por instituições ditatoriais, com valores antidemocráticos. Essa ideia de democracia incompleta parece ter sido captada com excelência por Débora, uma das Mães de Maio, que teve seu filho Edson assassinado no massacre de maio de 2006. Em palestra proferida em maio 2011 na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Débora questionou, enquanto sustentava estarmos sob um Estado fascistóide, e referindo-se aos desaparecimentos forçados de maio de 2006: “Se estão ‘escavocando’ os mortos da ditadura, porque não podem ‘escavocar’ nossos filhos?”. A contundência dessa pergunta deixa clara a situação inusitada de continuidade entre ditadura e democracia no Brasil. A indignação dessas mães diante do horror e da indiferença , por outro lado, parece ser o pouco que sobrou depois dos assassinatos e dos arquivamentos que escancararam a real funcionalidade do sistema de justiça criminal.
NOTAS
(1) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 28.
(2) ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. In: Estudos Avançados, n. 61, 2007, p. 8-9.
(3) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 12-13.
(4) Idem, p. 32.
(5) Idem, p. 36.
(6) INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC E JUSTIÇA GLOBAL. São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em maio de 2006. 2011, p. 5.
(7) Idem, p. 100.
(8) Idem, p. 102.
(9) Idem, p. 181.
(10) Idem, p. 239.
(11) Idem, p. 181.
(12) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 21.
(13) CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2008, p. 343.
Bruno Shimizu
Defensor Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Criminologia pela USP
Defensor Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Criminologia pela USP
Mães de maio: uma ferida aberta na democracia brasileira. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 19, n. 227, p. 15-16, out., 2011.
Em 17 de maio de 2006, a direção da escola onde o jovem Mateus estudava recebeu uma ligação ordenando “toque de recolher”. Assim, Mateus e seu amigo Ricardo foram dispensados das aulas sem qualquer explicação, tendo se dirigido a uma pizzaria próxima. Lá, os dois foram alvejados e mortos por indivíduos encapuzados sobre motocicletas: milicianos ligados à Polícia Militar. A morte de Mateus é contada por Vera, sua mãe, na publicação Do luto à luta, produzida de forma independente pelas Mães de Maio da Democracia Brasileira por ocasião dos cinco anos dos massacres perpetrados por policiais e milicianos em maio de 2006 no Estado de São Paulo.(1)
Os “crimes de maio” foram assassinatos e desaparecimentos forçados praticados por grupos ligados à polícia como resposta aos ataques atribuídos à facção Primeiro Comando da Capital no Estado de São Paulo, ocorridos em 2006. Os atentados atribuídos à facção incluíram disparos de arma de fogo e arremesso de explosivos contra estações policiais, agências bancárias e edifícios públicos, queima de ônibus e assassinatos de agentes de segurança.(2) Em represália, grupos de extermínio ligados à polícia promoveram a maior chacina de que se tem notícia na história brasileira, consistente na execução sumária de centenas de pessoas em zonas periféricas, sendo que a grande maioria das vítimas sequer possuía qualquer relação com a facção responsável pelos ataques.
As Mães de Maio da Democracia Brasileira, por seu turno, são uma organização de pessoas que tiveram parentes próximos mortos por agentes do Estado ou por grupos de extermínio ligados a esses agentes. Sua criação deu-se pela mobilização das mães de jovens mortos pela polícia em maio de 2006, e sua luta consiste no combate à letalidade policial e à conivência das autoridades do sistema de justiça.(3)
A morte de Mateus, conforme dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, insere-se nas 493 mortes por arma de fogo que ocorreram no Estado entre 12 e 20 de maio de 2006.(4) De todas essas mortes, há denúncias da participação de agentes policiais em, pelo menos, 388 casos, conforme dados divulgados pelo Observatório de Violência Policial.(5) A publicação da lavra das Mães de Maio, de certa forma, tenta impedir que esses assassinatos se tornem mera estatística esquecida.
O relatório “São Paulo sob achaque”, elaborado pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard em parceria com a ONG Justiça Global, identificou, por meio de entrevistas com autoridades e análise de inquéritos de maio de 2006, um universo de 122 mortes em relação às quais há indícios da participação de agentes policiais, concentrados na capital paulista e na baixada santista.(6) O relatório chegou à conclusão de haver provas concretas da ação de grupos de extermínio ligados à polícia em 71 desses casos.(7) A principal prova da atuação orquestrada de grupos de extermínio diz respeito ao modus operandi empregado, que envolve, inevitavelmente, um “toque de recolher” prévio, a escolha de “alvos” (pessoas com antecedentes criminais ou com tatuagens) e o ataque de executores encapuzados, normalmente sobre motocicletas. Em todos esses casos, assim que ocorreram os assassinatos, viaturas oficiais da PM surgiram imediatamente, fazendo desaparecerem os vestígios da execução e alterando a cena do crime, sob o pretexto de prestar socorro às vítimas.(8)
O dado mais alarmante trazido pelo relatório, contudo, aponta para o fato de que as instituições pretensamente democráticas responsáveis pelo controle externo da atividade policial e pela salvaguarda dos direitos humanos são lenientes, quando não coniventes, com o massacre das classes indesejadas.
Todos os inquéritos relativos aos casos em que o relatório constatou a presença da atividade de grupos de extermínio ocorridos em maio de 2006 foram arquivados, a pedido do Ministério Público, sem maiores investigações. O relatório de Harvard aponta o Judiciário, por ter concordado com todos os arquivamentos, e o Ministério Público como autores de falhas cruciais. Sobre o papel do Ministério Público, consta do relatório: “O Ministério Público Estadual também falhou em: 1) não investigar os Crimes de Maio de forma sistemática e rigorosa, 2) não exigir melhores investigações nos inquéritos policiais (...), e 3) não manter sua preciosa isenção no momento da crise, sinalizando à Polícia Militar que eles, promotores, já teriam conclu&iacu te;do que não houve um revide policial orquestrado após os ataques”.(9) Essa última falha apontada pelo relatório é referência, principalmente, a um ofício assinado por dezenas de promotores atuantes na área criminal, enviado, em 25 de maio de 2006, ao Comando Geral da PM. Neste ofício, os subscritores reconhecem “a eficiência da resposta da Polícia Militar, que se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pública violada, defendendo intransigentemente a população de nosso Estado”.
Acrescentam que estão certos de que “eventuais excessos praticados individualmente serão objeto de apuração devida pelos órgãos responsáveis”.(10) O relatório conclui que atos como esse ofício parecem “chancelar a ação violadora do Estado”,(11) na medida em que os subscritores recusam-se, de antemão, a aceitar a possibilidade de um problema estrutural, que extrapole os “excessos praticados individualmente”, no que foi a maior chacina de que se tem notícia na história do Brasil.
Com base neste contexto, as Mães de Maio – enxergando que o assassinato de seus filhos desarmados foi entendido como ato de heroísmo pelos órgãos responsáveis pela persecução penal – têm como objetivo imediato o desarquivamento e a federalização dos crimes de maio.(12) Com efeito, o relatório reconheceu, com base em dados documentados, a postura tendenciosa dos órgãos estaduais. Tendo havido grave violação de direitos humanos, o art. 109, § 5º, da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 45/04, prevê o deslocamento da competência para a Justiça Federal, o que se justifica ao constatarmos que a postura das autoridades estaduais pode levar à responsabilização internacional de toda a Federação brasileira.
Os crimes de maio e a postura das autoridades perante a grave violação de direitos humanos afloram como uma prova inequívoca de que ainda não existe democracia no Brasil, ao menos do ponto de vista dos direitos civis, estando os próprios órgãos responsáveis pela defesa dos direitos humanos embebidos das práticas institucionais típicas do estado ditatorial. A esta democracia meramente nominal, que se instituiu sem a promoção de uma cultura de defesa dos direitos individuais, Caldeira dá o nome de “democracia disjuntiva”. Segundo a autora, a democracia brasileira é disjuntiva porque, “embora o Brasil seja uma democracia política e embora os direitos sociais sejam razoavelmente legitimados, os aspectos civis da cidadania são continuamente violados”.(13).
O Brasil é formalmente uma democracia, mas habitada por instituições ditatoriais, com valores antidemocráticos. Essa ideia de democracia incompleta parece ter sido captada com excelência por Débora, uma das Mães de Maio, que teve seu filho Edson assassinado no massacre de maio de 2006. Em palestra proferida em maio 2011 na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Débora questionou, enquanto sustentava estarmos sob um Estado fascistóide, e referindo-se aos desaparecimentos forçados de maio de 2006: “Se estão ‘escavocando’ os mortos da ditadura, porque não podem ‘escavocar’ nossos filhos?”. A contundência dessa pergunta deixa clara a situação inusitada de continuidade entre ditadura e democracia no Brasil. A indignação dessas mães diante do horror e da indiferença , por outro lado, parece ser o pouco que sobrou depois dos assassinatos e dos arquivamentos que escancararam a real funcionalidade do sistema de justiça criminal.
NOTAS
(1) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 28.
(2) ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. In: Estudos Avançados, n. 61, 2007, p. 8-9.
(3) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 12-13.
(4) Idem, p. 32.
(5) Idem, p. 36.
(6) INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC E JUSTIÇA GLOBAL. São Paulo sob achaque: corrupção, crime organizado e violência institucional em maio de 2006. 2011, p. 5.
(7) Idem, p. 100.
(8) Idem, p. 102.
(9) Idem, p. 181.
(10) Idem, p. 239.
(11) Idem, p. 181.
(12) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do luto à luta. Publicação independente. São Paulo: 2011, p. 21.
(13) CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2008, p. 343.
Bruno Shimizu
Defensor Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Criminologia pela USP
quinta-feira, outubro 27, 2011
Mães de Maio ganham o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos 2011
http://al-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2900901/premio-santo-dias-tem-cinco-vencedores
26/10/2011 - 20h46
Prêmio Santo Dias tem cinco vencedores
Entre as entidades premiadas,estão o Movimento "Mães de Maio"
Da redação
A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), escolheu nesta quarta-feira, 26/10, os vencedores do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos 2011. Os indicados foram o Movimento Mães de Maio, da Baixada Santista; o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe); a irmã Michael Mary Nolan; o pastor Ariovaldo Ramos dos Santos; a Cooperativa de Egressos, Familiares de Egressos e de Reeducandos de Sorocaba e Região (Coopereso); a médica pediatra Zirva das Graças Pires Pereira e o Centro de Defesa de Direitos Humanos de Campinas.
A comissão decidiu conceder o prêmio a cinco dos indicados " Movimento Mães de Maio, Condepe, irmã Michael, pastor Ariovaldo e Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas " e menções honrosas à Coopereso e à Dra. Zirva, bem como aos 20 anos da vinda de Nelson Mandela ao Brasil, evento lembrado pelo SOS Racismo da Assembleia.
Na mesma reunião, foram aprovados o Projeto de Lei 300/2011, do deputado André Soares (DEM), que dispõe sobre a divulgação de mensagem ao consumidor quando da contratação de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial e, por três votos a dois, o voto contrário da deputada Leci Brandão (PCdoB) à Moção 23/2007, juntada à Moção 69/2008, que apela ao presidente do senado federal para que não aprove o Projeto de Lei 5003-B/2001, que criminaliza qualquer manifestação contra homossexualidade.
Foram também apreciadas sugestões ao banco de projetos provindos de cidadãos, tendo sido aprovado o encaminhamento de indicação ao governador do processo 12/2010 que sugere tornar o rio Tietê navegável para transporte de caminhões de carga no eixo compreendido entre Salesópolis e a barragem de Jupiá, e do processo 22/2010 que determina a todos os órgãos públicos usar papel reciclável. Aprovou-se, ainda, o encaminhamento de indicação ao presidente da Assembleia da sugestão 29/2011 que determina que o Legislativo estipule meta para reduzir gastos com energia e água e destine os valores a serem economizados para a compra de maquinários para as cooperativas de reciclagem do Estado de São Paulo.
O diretor-presidente da Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., José Valedor, convidado pela comissão a prestar esclarecimentos sobre as denúncias de trabalho escravo no McDonalds, não compareceu, alegando não ter recebido o convite em tempo para a preparação necessária à ocasião. A comissão definiu a data de 9/11 para ouvi-lo.
Participaram da reunião os deputados Adriano Diogo, José Candido e Marco Aurélio de Souza, do PT; Leci Brandão, do PCdoB; André Soares, do DEM; Gilmaci Santos, do PRB e Carlos Bezerra Júnior, do PSDB. (DA)
Reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
26/10/2011 - 20h46
Prêmio Santo Dias tem cinco vencedores
Entre as entidades premiadas,estão o Movimento "Mães de Maio"
Da redação
A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), escolheu nesta quarta-feira, 26/10, os vencedores do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos 2011. Os indicados foram o Movimento Mães de Maio, da Baixada Santista; o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe); a irmã Michael Mary Nolan; o pastor Ariovaldo Ramos dos Santos; a Cooperativa de Egressos, Familiares de Egressos e de Reeducandos de Sorocaba e Região (Coopereso); a médica pediatra Zirva das Graças Pires Pereira e o Centro de Defesa de Direitos Humanos de Campinas.
A comissão decidiu conceder o prêmio a cinco dos indicados " Movimento Mães de Maio, Condepe, irmã Michael, pastor Ariovaldo e Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas " e menções honrosas à Coopereso e à Dra. Zirva, bem como aos 20 anos da vinda de Nelson Mandela ao Brasil, evento lembrado pelo SOS Racismo da Assembleia.
Na mesma reunião, foram aprovados o Projeto de Lei 300/2011, do deputado André Soares (DEM), que dispõe sobre a divulgação de mensagem ao consumidor quando da contratação de produtos e serviços fora do estabelecimento comercial e, por três votos a dois, o voto contrário da deputada Leci Brandão (PCdoB) à Moção 23/2007, juntada à Moção 69/2008, que apela ao presidente do senado federal para que não aprove o Projeto de Lei 5003-B/2001, que criminaliza qualquer manifestação contra homossexualidade.
Foram também apreciadas sugestões ao banco de projetos provindos de cidadãos, tendo sido aprovado o encaminhamento de indicação ao governador do processo 12/2010 que sugere tornar o rio Tietê navegável para transporte de caminhões de carga no eixo compreendido entre Salesópolis e a barragem de Jupiá, e do processo 22/2010 que determina a todos os órgãos públicos usar papel reciclável. Aprovou-se, ainda, o encaminhamento de indicação ao presidente da Assembleia da sugestão 29/2011 que determina que o Legislativo estipule meta para reduzir gastos com energia e água e destine os valores a serem economizados para a compra de maquinários para as cooperativas de reciclagem do Estado de São Paulo.
O diretor-presidente da Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda., José Valedor, convidado pela comissão a prestar esclarecimentos sobre as denúncias de trabalho escravo no McDonalds, não compareceu, alegando não ter recebido o convite em tempo para a preparação necessária à ocasião. A comissão definiu a data de 9/11 para ouvi-lo.
Participaram da reunião os deputados Adriano Diogo, José Candido e Marco Aurélio de Souza, do PT; Leci Brandão, do PCdoB; André Soares, do DEM; Gilmaci Santos, do PRB e Carlos Bezerra Júnior, do PSDB. (DA)
Reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
domingo, outubro 16, 2011
Crimes e omissão em SP (Revista do Brasil)
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http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/cidadania
Processos de familiares de mortos pela PM em 2006 são encerrados sem apuração. Entidades querem federalizar investigação, mas não conseguem falar com Alckmin
Leandro Melito
Publicado em 14/10/2011
Alckmin deixou o governo semanas antes dos crimes (foto: Marcello Casal/ABr)
Entre 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas foram mortas por arma de fogo, segundo dados do Conselho Regional de Medicina. A organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) é responsabilizada pela execução de 43 policiais militares, carcereiros e um bombeiro durante uma onda de rebeliões em presídios e ataques a prédios públicos. A movimentação, atribuída à facção criminosa, terminou no dia 15 de maio, supostamente após reunião entre Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder da organização, e a cúpula do governo paulista.
“A partir de então a polícia paulista iniciou violento revide”, afirma a ONG Justiça Global no documento intitulado São Paulo sob Achaque, elaborado em parceria com a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo o relatório, as situações da maioria das mortes ocorridas entre os dias 15 e 20 em nada pareciam com casos de legítima defesa. O estudo aponta 122 homicídios com indícios de execução praticados por policiais no período.
Passados cinco anos, a maior crise da segurança pública de São Paulo ainda não foi apurada. Não existe sequer um relatório oficial do Estado que detalhe esses episódios. Em maio passado, a secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, ministra Maria do Rosário, pediu ao governador Geraldo Alckmin uma audiência para discutir a transferência, para a esfera federal, das investigações das mortes durante a operação da PM. Até agora ele não se manifestou.
As apurações desses crimes foram arquivadas sem os devidos esclarecimentos, salvo nos casos que envolvem a morte de agentes públicos. Das mortes praticadas por policiais em supostos confrontos, apenas seis oficiais foram denunciados ou indiciados. A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), departamento de elite de investigação de homicídios no Brasil, esclareceu mais de 85% dos casos em que as vítimas foram agentes públicos e elucidou a autoria de apenas 13% das ocorrências de homicídio com suspeita de participação de policiais.
Sandra Carvalho, diretora adjunta da Justiça Global, diz não se tratar, na maioria dos casos, de arquivamento por falta de provas. “Na verdade, não foram feitas investigações mais detalhadas e exaustivas”, afirma, apontando a falta de proteção adequada para que as testemunhas pudessem depor. “Muitas delas foram sistematicamente ameaçadas, cerceadas. O estado deveria ter criado condições para que pudessem depor em segurança”, avalia. Para James Cavallaro, presidente do conselho da ONG, a participação do alto escalão da polícia paulista pode ter atrapalhado as investigações. “Há indícios de envolvimento não só de policiais dos níveis baixos e intermediários, mas de autoridades de alta patente, o que dificultaria o esclarecimento dos crimes como um todo”, avalia.
É devido à ineficácia do governo estadual em apontar os responsáveis pelos crimes que os pesquisadores defendem a federalização do processo. “Dialogamos com o estado de São Paulo e com várias instituições ao longo desses cinco anos”, afirma Fernando Ribeiro Delgado, da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard. “Não obtivemos uma resposta satisfatória em basicamente nenhum ponto dessa pesquisa. Por isso decidimos encaminhar o caso ao governo federal e ao Congresso Nacional, para que seja instalada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), e para que o Ministério Público Federal investigue.”
Débora Maria Silva é coordenadora do movimento Mães de Maio. Ela teve seu filho morto pela PM na Baixada Santista
Impunidade
Uma das vítimas da ação policial foi o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, filho de Débora Maria Silva. Débora é coordenadora do movimento Mães de Maio, organizado entre as mães que tiveram filhos executados por policiais militares na Baixada Santista em maio de 2006. “A gente viu muitas falhas nos inquéritos e o Ministério Público Estadual não apresentou resposta para nós”, afirma. Segundo o estudo da ONG Justiça Global, a investigação policial sobre o caso de Edson não ouviu testemunhas e não colheu provas importantes, como as fitas das câmeras de segurança do posto de gasolina onde ele teria sido assassinado.
João Inocêncio de Freitas também teve o filho morto em maio de 2006. Dispensado mais cedo do colégio, junto com os demais alunos, Matheus Andrade de Freitas foi com Ricardo Porto, seu colega de classe, a uma pizzaria na rua onde morava. Ambos foram executados. João critica o arquivamento do processo e a tentativa do estado de criminalizar seu filho. “Como o inquérito não andava, a gente foi saber o que estava acontecendo. Sem apurar nada, eles arquivaram”, relata. “O relatório do delegado dizia que meu filho foi morto por dívida de droga e que o outro menino tinha morrido por queima de arquivo. Nós fomos ao 5º Distrito e fizemos nosso depoimento. O promotor corrigiu o relatório e disse que havia indícios da atuação de grupos de extermínio, policiais. Só que depois o caso foi arquivado. Ninguém fez nada.”
Francisco Gomes, pai de Paulo Alexandre Gomes, desaparecido desde maio daquele ano, compara a situação à ditadura. “A impunidade daquele tempo é a mesma até hoje. A ditadura agora é disfarçada de democracia. Fazem o que querem, e fica por isso mesmo”, diz.
Em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 29 de agosto passado, Débora Maria Silva reivindicou, na presença da ministra Maria do Rosário, a federalização da investigação dos crimes. “O governo do estado não quer tocar no assunto, mas isso nós exigimos. Mataram nossos filhos e desapareceram com eles. Alguém tem de ser responsabilizado. Se a gente não aponta os algozes dos nossos filhos, apontamos o estado como um todo”, sentenciou. Débora exige que as autoridades se reúnam em Santos, onde têm sido constantes os crimes praticados por grupos de extermínio.
Na ocasião, Maria do Rosário afirmou que um impasse com o governo do estado estaria impedindo o avanço do processo de federalização desses crimes. “Pedi uma reunião com o governo estadual sobre a situação dos grupos de extermínio e as Mães de Maio. Já tem três meses (completados em agosto) e eu ainda estou aguardando. Não gostaria de fazer a reunião em Santos sem antes me reunir com o governo paulista para trabalharmos juntos alguns caminhos.”
Em julho passado, uma reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, presidido pela ministra, decidiu encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo um pedido de reabertura das investigações sobre as mortes em maio de 2006, assim como sua federalização.
Ministra Maria do Rosário: "Esses crimes não podem ficar impunes"
“Queremos dialogar mais com o governo e com a Procuradoria para que essas investigações sejam reabertas. Aprovamos uma série de procedimentos com o governo federal para transferir essas apurações para a Polícia Federal. Esses crimes não podem ficar impunes”, disse a ministra.
Segundo Rosário, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) já encaminhou dois pedidos de audiência ao governo de São Paulo para tratar do tema. Ambos continuam sem resposta. Durante a audiência em São Paulo ela reforçou o pedido à secretária de Justiça do governo estadual, Eloísa Arruda. “Acredito que essa audiência vai nos possibilitar abrir esse caminho com o governador”, afirmou. Na primeira semana de outubro, o impasse permanecia.
Os crimes de maio de 2006 aconteceram um mês após a saída de Alckmin para concorrer às eleições presidenciais. Ele estava à frente do governo estadual havia seis anos. Em seu lugar assumiu o vice, Cláudio Lembo. O governo federal deu os primeiros passos para federalizar a investigação ainda na gestão de Paulo Vannucchi à frente da SEDH, quando foi aprovada a criação de uma comissão especial para levantar informações que justificassem a transferência desses crimes para o âmbito federal.
Caso isso venha a acontecer, será o segundo caso de transferência de competência no Brasil após a Constituição de 1988. O primeiro crime contra os direitos humanos federalizado foi o assassinato do defensor público Manoel Mattos, que investigava a atuação de grupos de extermínio na Paraíba.
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/64/cidadania
Processos de familiares de mortos pela PM em 2006 são encerrados sem apuração. Entidades querem federalizar investigação, mas não conseguem falar com Alckmin
Leandro Melito
Publicado em 14/10/2011
Alckmin deixou o governo semanas antes dos crimes (foto: Marcello Casal/ABr)
Entre 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas foram mortas por arma de fogo, segundo dados do Conselho Regional de Medicina. A organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) é responsabilizada pela execução de 43 policiais militares, carcereiros e um bombeiro durante uma onda de rebeliões em presídios e ataques a prédios públicos. A movimentação, atribuída à facção criminosa, terminou no dia 15 de maio, supostamente após reunião entre Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder da organização, e a cúpula do governo paulista.
“A partir de então a polícia paulista iniciou violento revide”, afirma a ONG Justiça Global no documento intitulado São Paulo sob Achaque, elaborado em parceria com a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo o relatório, as situações da maioria das mortes ocorridas entre os dias 15 e 20 em nada pareciam com casos de legítima defesa. O estudo aponta 122 homicídios com indícios de execução praticados por policiais no período.
Passados cinco anos, a maior crise da segurança pública de São Paulo ainda não foi apurada. Não existe sequer um relatório oficial do Estado que detalhe esses episódios. Em maio passado, a secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, ministra Maria do Rosário, pediu ao governador Geraldo Alckmin uma audiência para discutir a transferência, para a esfera federal, das investigações das mortes durante a operação da PM. Até agora ele não se manifestou.
As apurações desses crimes foram arquivadas sem os devidos esclarecimentos, salvo nos casos que envolvem a morte de agentes públicos. Das mortes praticadas por policiais em supostos confrontos, apenas seis oficiais foram denunciados ou indiciados. A Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), departamento de elite de investigação de homicídios no Brasil, esclareceu mais de 85% dos casos em que as vítimas foram agentes públicos e elucidou a autoria de apenas 13% das ocorrências de homicídio com suspeita de participação de policiais.
Sandra Carvalho, diretora adjunta da Justiça Global, diz não se tratar, na maioria dos casos, de arquivamento por falta de provas. “Na verdade, não foram feitas investigações mais detalhadas e exaustivas”, afirma, apontando a falta de proteção adequada para que as testemunhas pudessem depor. “Muitas delas foram sistematicamente ameaçadas, cerceadas. O estado deveria ter criado condições para que pudessem depor em segurança”, avalia. Para James Cavallaro, presidente do conselho da ONG, a participação do alto escalão da polícia paulista pode ter atrapalhado as investigações. “Há indícios de envolvimento não só de policiais dos níveis baixos e intermediários, mas de autoridades de alta patente, o que dificultaria o esclarecimento dos crimes como um todo”, avalia.
É devido à ineficácia do governo estadual em apontar os responsáveis pelos crimes que os pesquisadores defendem a federalização do processo. “Dialogamos com o estado de São Paulo e com várias instituições ao longo desses cinco anos”, afirma Fernando Ribeiro Delgado, da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard. “Não obtivemos uma resposta satisfatória em basicamente nenhum ponto dessa pesquisa. Por isso decidimos encaminhar o caso ao governo federal e ao Congresso Nacional, para que seja instalada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), e para que o Ministério Público Federal investigue.”
Débora Maria Silva é coordenadora do movimento Mães de Maio. Ela teve seu filho morto pela PM na Baixada Santista
Impunidade
Uma das vítimas da ação policial foi o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, filho de Débora Maria Silva. Débora é coordenadora do movimento Mães de Maio, organizado entre as mães que tiveram filhos executados por policiais militares na Baixada Santista em maio de 2006. “A gente viu muitas falhas nos inquéritos e o Ministério Público Estadual não apresentou resposta para nós”, afirma. Segundo o estudo da ONG Justiça Global, a investigação policial sobre o caso de Edson não ouviu testemunhas e não colheu provas importantes, como as fitas das câmeras de segurança do posto de gasolina onde ele teria sido assassinado.
João Inocêncio de Freitas também teve o filho morto em maio de 2006. Dispensado mais cedo do colégio, junto com os demais alunos, Matheus Andrade de Freitas foi com Ricardo Porto, seu colega de classe, a uma pizzaria na rua onde morava. Ambos foram executados. João critica o arquivamento do processo e a tentativa do estado de criminalizar seu filho. “Como o inquérito não andava, a gente foi saber o que estava acontecendo. Sem apurar nada, eles arquivaram”, relata. “O relatório do delegado dizia que meu filho foi morto por dívida de droga e que o outro menino tinha morrido por queima de arquivo. Nós fomos ao 5º Distrito e fizemos nosso depoimento. O promotor corrigiu o relatório e disse que havia indícios da atuação de grupos de extermínio, policiais. Só que depois o caso foi arquivado. Ninguém fez nada.”
Francisco Gomes, pai de Paulo Alexandre Gomes, desaparecido desde maio daquele ano, compara a situação à ditadura. “A impunidade daquele tempo é a mesma até hoje. A ditadura agora é disfarçada de democracia. Fazem o que querem, e fica por isso mesmo”, diz.
Em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 29 de agosto passado, Débora Maria Silva reivindicou, na presença da ministra Maria do Rosário, a federalização da investigação dos crimes. “O governo do estado não quer tocar no assunto, mas isso nós exigimos. Mataram nossos filhos e desapareceram com eles. Alguém tem de ser responsabilizado. Se a gente não aponta os algozes dos nossos filhos, apontamos o estado como um todo”, sentenciou. Débora exige que as autoridades se reúnam em Santos, onde têm sido constantes os crimes praticados por grupos de extermínio.
Na ocasião, Maria do Rosário afirmou que um impasse com o governo do estado estaria impedindo o avanço do processo de federalização desses crimes. “Pedi uma reunião com o governo estadual sobre a situação dos grupos de extermínio e as Mães de Maio. Já tem três meses (completados em agosto) e eu ainda estou aguardando. Não gostaria de fazer a reunião em Santos sem antes me reunir com o governo paulista para trabalharmos juntos alguns caminhos.”
Em julho passado, uma reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, presidido pela ministra, decidiu encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo um pedido de reabertura das investigações sobre as mortes em maio de 2006, assim como sua federalização.
Ministra Maria do Rosário: "Esses crimes não podem ficar impunes"
“Queremos dialogar mais com o governo e com a Procuradoria para que essas investigações sejam reabertas. Aprovamos uma série de procedimentos com o governo federal para transferir essas apurações para a Polícia Federal. Esses crimes não podem ficar impunes”, disse a ministra.
Segundo Rosário, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) já encaminhou dois pedidos de audiência ao governo de São Paulo para tratar do tema. Ambos continuam sem resposta. Durante a audiência em São Paulo ela reforçou o pedido à secretária de Justiça do governo estadual, Eloísa Arruda. “Acredito que essa audiência vai nos possibilitar abrir esse caminho com o governador”, afirmou. Na primeira semana de outubro, o impasse permanecia.
Os crimes de maio de 2006 aconteceram um mês após a saída de Alckmin para concorrer às eleições presidenciais. Ele estava à frente do governo estadual havia seis anos. Em seu lugar assumiu o vice, Cláudio Lembo. O governo federal deu os primeiros passos para federalizar a investigação ainda na gestão de Paulo Vannucchi à frente da SEDH, quando foi aprovada a criação de uma comissão especial para levantar informações que justificassem a transferência desses crimes para o âmbito federal.
Caso isso venha a acontecer, será o segundo caso de transferência de competência no Brasil após a Constituição de 1988. O primeiro crime contra os direitos humanos federalizado foi o assassinato do defensor público Manoel Mattos, que investigava a atuação de grupos de extermínio na Paraíba.
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