NOVO MANIFESTO PELA FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES DE MAIO, E FIM DA "RESISTÊNCIA SEGUIDA DE MORTE"

segunda-feira, junho 14, 2010

Os assassinos do litoral paulista

Carta Capital - 01/06/2010

BAIXADA SANTISTA - Nova onda de violência desnuda a força de grupos de extermínio

Noite de 26 de março. O adolescente Rafael Souza de Abreu, de 16 anos, encontra-se com amigos numa esquina do bairro Estuário, em Santos. Às 10 da noite, usa o celular para encomendar algumas esfihas. Minutos depois, ainda com o telefone na mão, vê-se diante de uma dupla de pistoleiros sobre uma moto. Leva um tiro na perna e, de joelhos, implora pela vida. É executado com sete tiros no rosto.

Madrugada do feriado de 21 de Abril. O jovem Marcos Paulo Soares Canuto, de 18 anos, sai de uma festa em Catiapoã, bairro periférico de São Vicente. Antes de voltar para casa de bicicleta, acompanha um amigo em passeio de moto. Os rapazes são abordados por quatro homens encapuzados, dois em cada moto. E são assassinados com vários tiros na cabeça. Duzentos metros adiante, outros dois jovens haviam sido executados pelo mesmo grupo.

Os inquéritos ainda não apontaram os responsáveis pela morte dos rapazes, mas os familiares de Rafael e Marcos compartilham uma certeza: os jovens foram executados por policiais militares que integram um grupo de extermínio na Baixada Santista.

As razões que levam à desconfiança são muitas. Dias antes de morrer, Rafael foi acusado de roubar uma loja de roupas. A casa de sua bisavó, onde dormia de vez em quando, teria sido vasculhada por PMs três vezes. De acordo com o pai, o portuário José de Abreu Neto, policiais que faziam bico de segurança na loja seriam os autores do ataque. "Quinze dias depois da morte do meu filho, uma testemunha foi assassinada. Os outros que presenciaram o crime ou se calaram ou saíram da cidade com medo. Um dos PMs envolvidos costuma mandar recados para mim. Bate na molecada da rua e fala: "Vocês estão apanhando por culpa do Zezinho"”.

No caso de Marcos Paulo, chamou a atenção o fato de os assassinos fazerem uma abordagem tipicamente policial antes da execução. Os amigos foram revistados e apresentaram o documento de identidade aos algozes. "Recolhi o RG do meu filho no chão", lembra a enfermeira Flávia Gonzaga, mãe do estudante assassinado.

Apenas neste ano, 34 execuções sumárias foram registradas na Baixada Santista pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Desde maio de 2006, época dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), a entidade contabilizou 115 homicídios com características de atuação de grupos de extermínio. "A maioria das vítimas é de jovens moradores da periferia, negros ou pardos, e não têm antecedentes criminais. Os executores aparecem de moto e costumam usar toucas para esconder o rosto. Os armamentos utilizados quase sempre têm o mesmo calibre: são projéteis .40 (usados pela polícia) e 380", diz o ouvidor Luiz Gonzaga Dantas.

Dantas acrescenta: "Tudo leva a crer que as mortes foram causadas por grupos de extermínio integrados por PMs. Viaturas da polícia são vistas no local dos assassinatos momentos antes. A cena do crime raramente é preservada. Quase sempre os corpos são removidos sob a justificativa de prestar socorro, mesmo quando as vítimas foram executadas com vários tiros na cabeça. É por isso que vou propor ao governo que proíba o socorro prestado por policiais. Quem deve fazer isso são os serviços de resgate e emergência. Esse suposto socorro só serve para atrapalhar as investigações."

As execuções na Baixada Santista voltaram a ganhar destaque na imprensa com a onda de violência que atingiu a região em abril, após a morte do policial da Força Tática Paulo Rafael Pires. Vinte e três jovens teriam sido assassinados em represália em menos de uma semana. A Polícia Civil chegou a divulgar uma lista com 50 jurados de morte por supostos grupos de extermínio integrados por PMs.

Passado mais de um mês dos ataques, no entanto, apenas um homem havia sido preso: Eduardo Rodrigues Nascimento, acusado de matar o policial Pires. Descontente com as investigações do caso, o secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, reuniu-se com o comando da PM na Baixada e exigiu a prisão dos policiais supostamente envolvidos nos crimes. A morosidade em identificá-los também teria causado o afastamento do corregedor Davi Nelson Rosolen. Em seu lugar entrou o coronel Admir Gervásio Moreira, que era chefe do Comando de Policiamento Metropolitano.

A troca não chegou a ser celebrada por organizações de defesa dos direitos humanos. Sob o comando de Moreira, os policiais do CPM mataram 139 civis em confrontos de maio de 2009 a março de 2010. Isso representa um aumento de 71,6% na letalidade da atuação policial em relação ao período correspondente anterior, em que policiais sob seu comando mataram 81 suspeitos em serviço.

O temor dos familiares das recentes vítimas é a impunidade que marcou as investigações das mortes ocorridas em maio de 2006, época dos ataques do PCC, quando 564 pessoas foram mortas em todo o estado por armas de fogo. Na Baixada Santista, diversas mortes são atribuídas a grupos "parapoliciais" nos inquéritos arquivados pelo Ministério Público.

Segundo o defensor público Antônio Maffezoli, houve omissão e negligência nas investigações. "Muitos homicídios nem sequer passaram pelo trabalho da perícia. Chegou-se ao absurdo de policiais cobrarem dos familiares de vítimas provas para dar continuidade às investigações."

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo encaminhou, em 17 de maio, um pedido ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O documento, também subscrito pela ONG Justiça Global, sugere que ele solicite à Justiça o deslocamento de competência das investigações de seis casos, envolvendo nove vítimas, às autoridades federais. Todos os casos apresentam indícios de atuação de grupos de extermínio e foram arquivados.

A reabertura dos casos é a grande esperança de Débora Maria Silva, líder do movimento Mães de Maio. Seu filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, foi executado em 15 de maio de 2006, pouco depois do Dia das Mães. Testemunhas afirmam ter visto policiais agredindo o rapaz, que cumpriu pena por roubo, em um posto de gasolina momentos antes de ser assassinado.

"Naquela noite, a ficha criminal do meu filho foi consultada mais de 20 vezes pelo Centro de Operações da Polícia Militar (Copom). Mas ninguém soube informar quem fez aquelas consultas. Também não fizeram a perícia na moto do meu filho nem ouviram testemunhas", diz Débora. "Eu alertei a polícia de que o posto de gasolina tinha câmeras, mas os policiais só requisitaram as gravações dois meses depois, quando as fitas já haviam sido apagadas."

Para Débora, o mesmo grupo de extermínio que matou seu filho é o responsável pelas atuais mortes. “Eles nunca pararam de matar. Todos os crimes têm as mesmas características. Por isso, continuo na luta pela punição dos assassinos de nossos filhos.”

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